Beatlemaníacos são insaciáveis, mais ou menos como os fãs de futebol. Nunca enjoam, nunca acham que já viram ou ouviram tudo, nunca deixam de se surpreender e de se emocionar, por menor que seja a novidade em campo –uma gravação remasterizada, um documentário, um show com velhos sucessos (até mesmo de uma honesta banda cover, porque, às vezes, é a única coisa que a casa oferece...).
No curto intervalo entre 1962 e 1969, não foram apenas os garotos de Liverpool que mudaram e perderam o ar de ingenuidade.
Pegue o último dia 21 de junho, por exemplo. Enquanto boa parte do planeta estava na frente da televisão se emocionando com, sei lá, Argentina x Croácia, milhões de outras pessoas (muitas delas acumulando as duas paixões, Beatles e futebol) estavam deixando de lado qualquer outra distração disponível para assistir a um vídeo de 23 minutos em que Paul McCartney aparece cantando e dando um passeio por Liverpool.
Muita gente até agora não entendeu o que, naqueles 23 minutos, foi capaz de comover, às lágrimas, tantas pessoas de gerações e origens diferentes espalhadas ao redor do planeta. Nas duas últimas semanas, esse vídeo da série Carpool Karaoke teve mais 26 milhões de visualizações no YouTube. É como se, nessa Copa da Música, Pelé nunca tivesse sido substituído por um craque mais jovem e continuasse capaz de reproduzir suas jogadas mais geniais no lugar e na hora em que quisesse – para renovado delírio da torcida.
No último domingo, entrou para o catálogo de atrações da Netflix o documentário The Beatles: Eight Days a Week, lançado em 2016 e dirigido por Ron Howard. O diretor inventou a melhor desculpa do mundo – um filme – para passar muitas horas por dia ouvindo as músicas da banda preferida e ainda entrevistar Paul McCartney e Ringo Starr. Além das entrevistas, o documentário destaca, com muitas imagens até então inéditas, os anos em que John, Paul, George e Ringo viajaram o mundo embalados pela beatlemania.
São apenas sete anos, entre a primeira gravação, em 1962, e o show surpresa no telhado da sede da gravadora Apple, no centro de Londres, em 1969 – última aparição pública do grupo. Nesse curto intervalo de tempo, não foram apenas os garotos de Liverpool que mudaram e perderam o ar de ingenuidade das primeiras apresentações. Tudo o que envolve a indústria cultural e o comportamento dos jovens se transformou naqueles anos em que os Beatles se tornaram uma mania mundial.
Algumas dessas mudanças envolvem o surgimento de um "star system" que ainda era incipiente quando os Beatles surgiram. Uma das cenas que chamam atenção no documentário é o momento em que os próprios músicos, no auge da fama, deslocam a bateria de Ringo de um lado para o outro no palco, sem que ninguém apareça para ajudar.
Mas há detalhes ainda mais singelos. Como, por exemplo, a forma como os músicos se curvavam para agradecer os aplausos no início da carreira. Essa e outras solenidades – no figurino, no cabelo, nas atitudes – foram pouco a pouco caindo em desuso, aumentando a distância que separava a nova geração dos músicos que os antecederam. (Inclusive o próprio Elvis, apenas sete anos mais velho do que Paul.)
Nenhuma geração envelheceu tão rápido quanto aquela que já não era tão jovem quando os anos 60 inventaram a juventude.