Foi um fim lento e previsível. Com tantas mudanças afetando o hábito de consumo de vídeos, ninguém se surpreendeu com a notícia de que a Espaço Vídeo deve fechar as portas nos próximos dias. Como um doente terminal que conseguiu driblar sucessivos prognósticos pessimistas, a locadora, enfim, "descansou"– eufemismo usado para designar aquele momento em que o curso natural dos eventos torna-se finalmente inevitável.
Os primeiros aparelhos de videocassete (naquela época ainda se dizia "aparelho", eu acho, mas o termo "escangalhar", infelizmente, já havia sido aposentado) chegaram a Porto Alegre quando eu era adolescente – a tempo de desempenharem um papel importante na minha formação como espectadora. Depois de anos dependendo da sensibilidade do programador da Sesssão de Gala ou dos ciclos das raras cinematecas da cidade, era possível explorar cinematografias exóticas ou rever o filme favorito, em casa, a qualquer hora. Em casa. A qualquer hora.
As locadoras de vídeo abriram uma janela para filmes e diretores de todas as épocas parecida com aquela oferecida desde sempre pelas bibliotecas. Para quem gostava de cinema, poder levar para casa um filme (ou vários filmes) era como ganhar a chave da caixa-forte do Tio Patinhas. Crianças descobriram que o mundo não era só reprise de desenhos antigos ou Programa da Xuxa. Velhinhos finalmente podiam rever o clássico dos anos 1940 que não era tão cult para voltar aos cinemas nem pop o bastante para ganhar uma nova chance na TV.
Foi percorrendo os corredores da área de empréstimos da Biblioteca Pública do Estado, ao lado do edifício onde eu morava, na Riachuelo, que descobri alguns dos livros e escritores que me ensinaram a ser gente. Li muita coisa ruim, claro, atraída por uma capa ou um título chamativo, mas isso importa menos do que ter a chance de formar o hábito da leitura explorando um bom acervo de livros. As locadoras, ainda que cobrassem pelo empréstimo dos filmes, permitiam um percurso parecido – com a vantagem de serem ambientes sociais bem mais propícios a contatos interpessoais. (Quantos casais não engataram namoro trocando impressões sobre um filme na muvuca de um final de tarde de sexta, quando se levava quatro fitas pelo preço de três, ou na terça, na hora de devolver.)
A locadora, a biblioteca, a loja de discos – e outros espaços de "mídias físicas" – nos convidavam ao passeio sem rumo por títulos desconhecidos e aos encontros inesperados. A função cumprida hoje pelos algoritmos que nos sugerem livros, filmes, músicas e até notícias conforme os padrões do nosso próprio gosto era, muitas vezes, exercida pelo acaso – por serendipity, termo que designa o encontro afortunado com algo que você nem sequer sabia que estava procurando.
Não que o streaming, as redes sociais ou a internet como um todo tenham acabado com as possibilidades de serendipity, apenas ficou mais difícil navegar pelo acaso sem deixar rastros e sem transformar o percurso dos nossos interesses, permanentes ou ocasionais, nas paredes invisíveis de uma bolha.