Diante da fartura de opções para se assistir a um filme nas diferentes plataformas, as videolocadoras já não reluzem como tempos atrás. Dois terços delas desapareceram no Brasil nos últimos sete anos, em meio a um cenário de previsões catastróficas para o futuro desse negócio. A tradicional fonte de diversão para o fim de semana, porém, ainda não secou e nela seguem se abastecendo clientes fiéis.
Em um giro por locadoras de Porto Alegre, constata-se o novo perfil desse segmento e de seus consumidores: estão, na sua maioria, na faixa dos 30 a 40 anos, acham a programação da TV paga repetitiva, eventualmente vão ao cinema e não têm o hábito de baixar conteúdo da internet legal ou ilegalmente.
- Pego sete DVDs por semana. Não tenho paciência de olhar filme no computador. Prefiro o conforto do home theater. Meus filhos são adeptos do "baixamento" e dos serviços on demand, mas eu não abandono por nada a locadora - afirma Volnei Silva, 57 anos, analista de comunicações que frequenta a Espaço Vídeo da Rua Vasco da Gama, uma das maiores da Capital.
Em meio às prateleiras da E O Vídeo Levou, o engenheiro militar Jorgito Stocchero, 44, conta o que move sua busca semanal na tradicional locadora do bairro Jardim Botânico: ir além do que a TV por assinatura tem a oferecer.
- O acervo da locadora é grande e dá muito mais opções de escolha. Dependendo do clima, vou do blockbuster ao cinema europeu - diz Stocchero.
Além da variedade na oferta, esse público fiel gosta do contato direto com quem o ajude a encontrar determinado título e lhe dê boas dicas.
- Qual é aquele filme que tem o estupro de nove minutos?
- Irreversível - responde de imediato Vinicius Thiel, atendente da Espaço Vídeo, à duvida de um cliente à procura do polêmico filme francês.
À procura dos clássicos
Ter na linha de frente funcionários com conhecimento cinematográfico enciclopédico, capazes de identificar um filme procurado a partir de pistas fragmentadas, é item obrigatório no manual de sobrevivência das locadoras. Se é fácil responder "Ricardo Darín" a quem busca um filme com "aquele ator argen...", o grau de dificuldade aumenta quando as referências passam a ser do tipo "o do casal de velhos em que a mulher fica doen..." (Amor), "o da filósofa que cobriu o julgamento do nazis..." (Hannah Arendt), "o da médica dissidente na Alemanha Orien..." (Barbara). Novos hits nesta etapa das locadoras, filmes cult, clássicos e raros têm de estar à disposição nas prateleiras e na ponta da língua dos atendentes.
- Gosto dos clássicos e de conhecer outros trabalhos de um diretor ou ator que admiro. Faço essa pesquisa na locadora - diz a bailarina e performer Iandra Cattani, 30.
Proprietário há 25 anos da E O Vídeo Levou, Álvaro Bertani já identificou essa demanda crescente no atual perfil de seus clientes:
- O público envelheceu. Em compensação, aumentou muito a procura por clássicos e seriados de TV. Antes, eu compraria dois exemplares de Hannah Arendt. Agora comprei sete. Já filmes como Hobbit, hoje tenho 10, em vez dos 30 que adquiriria anos atrás.
Eliane Kives, dona da Espaço Vídeo, com três filiais na Capital, complementa:
- Entre as opções de lazer que se tem hoje, as locadoras ficaram para trás. Em dia de maior movimento, eram locados cerca de 800 itens. Hoje, não passa de 250. A gente se adaptou à realidade. Temos a feira permanente de usados e, uma vez por mês, abastecemos nosso acervo com filmes de colecionador. Abrimos esse espaço como forma de as pessoas terem os filmes prediletos de forma barata.
A locadora também segue na mira de quem investiu em um bom equipamento de imagem e som, como o casal Mauricio Ceratti e Carla Silva, que comprou um sistema de TV e reprodutor Blu-ray em 3D. E dos que gostam de fazer maratonas de fim de semana, como a turma que no final de tarde de uma sexta-feira buscava a segunda temporada de Game of Thrones.
Remédios para evitar o fim das videolocadoras existem, têm sido testados e alguns mostram efeitos positivos, sobretudo nas lojas mais robustas e criativas. Mas ninguém arrisca dizer por quanto tempo.
Não basta alugar filmes. É preciso diversificar
É como olhar o copo com água pela metade. O mercado das videolocadoras pode ser analisado pelo foco pessimista, que aponta um negócio em queda livre. Ou pelo ponto de vista mais realista, comparável ao de uma bolha que estourou após crescer além da conta - entre 2003 e 2006, auge da popularização do DVD.
- Digo que estamos queimando a gordura acumulada - diz Álvaro Bertani, da E O Vídeo Levou. - Não sei como serão os próximos anos. Mas não haverá outra mídia física após o Blu-ray.
Bertani garante que a pirataria, apontada como a grande inimiga das locadoras, no seu caso, não é tão relevante.
- Meu maior problema é a falta de tempo das pessoas e os excessos de opções de entretenimento. Há clientes que escolhem o filme pela duração.
Proprietária da Fox Vídeo, locadora com 20 anos de atividade na Cidade Baixa, Gilberta Ferreira da Costa afirma que está "quase entregando os pontos":
- O movimento não é nem comparável ao de um ano atrás. Já não é viável ter uma locadora.
O processo de adaptação faz com que algumas lojas ofereçam atrativos como cafeteria e venda direta, e reforcem a interação com os clientes. Tardiamente, as locadoras perceberam que o público gostava de comprar os filmes e os seriados favoritos. Quando se deram conta de que isso não canibalizaria o sistema de aluguel, haviam ficado para trás dos grandes magazines. Sobre o futuro, especialistas não arriscam previsões, mas apostam que locadoras com acervo grande, diversidade de serviços e eficiência no corpo a corpo têm mais chances de seguir adiante.
Para Luciano Tadeu Damiani, presidente do Sindicato das Empresas de Videolocadoras de São Paulo (Sindemvideo), a crise no ramo é global. Ainda assim, vislumbra um horizonte de bonança aos que se adaptarem aos novos tempos:
- Quem sobreviver vai ficar muito bem, porque aí você terá aquele consumidor que não se importa quanto paga, desde que tenha o filme que quiser ver.
*Colaborou Rodrigo Azevedo