Uma das referências em filmes de Porto Alegre, a Espaço Vídeo anunciou na última quarta-feira que encerrará suas atividades após 32 anos. Localizado originalmente no bairro Bom Fim – chegou a ter quatro filiais em diferentes pontos da Capital –, o estabelecimento deve fechar as portas até 10 de maio, conforme informações da proprietária, Eliane Kives – que fundou a locadora com o marido, Elio Kives. Até lá, a Espaço vai seguir comercializando e locando seu acervo de mais de 30 mil filmes em DVD e blu-ray, além de games e CDs de música.
– Há três ou quatro anos, começamos a ver toda essa movimentação de mercado (ascensão dos serviços de streaming e decadência das locadoras). Então, surgiram possibilidades de negócios em outra áreas e passamos a desenvolver essas atividades, que começaram cada vez mais a nos puxar para elas. Emocionalmente, foi muito difícil encerrar a Espaço Vídeo. Cada cliente, cada história, foi tudo muito legal. A gente viveu Porto Alegre – conta Eliane.
Segundo a proprietária, o prédio situado na esquina entre as ruas Vasco da Gama e Fernandes Vieira deve ser alugado para um estabelecimento comercial de varejo. Há mais de 30 anos, Eliane e Elio começaram o negócio influenciados por um primo paulista dele.
– Na época que a gente começou, ainda se usava o betamax (formato de fita), mas já estava cedendo espaço ao VHS. Lembro que nosso primeiro filme foi A Testemunha (1985), com Harrison Ford. Fomos atravessando gerações. Com o surgimento do DVD, virou um boom: todo mundo comprou um aparelho, era um presente de Natal. As famílias vinham para a locadora: pai, mãe, os filhos, até a avó. Cada um tirava um filme – recorda Eliane.
No dia seguinte da divulgação do fim da locadora, o movimento por lá era intenso: quatro atendentes se revezam para atender clientes, que chegavam um atrás do outro. Queriam aproveitar a queima de estoque e garimpar no acervo. Marcelo Noronha e seu filho Lucas faziam um "rancho" melancólico.
– Vemos o encerramento da Espaço Vídeo com certa tristeza. A maioria das locadoras foram fechando, não só em Porto Alegre, mas também em outras cidades. É uma tendência, as pessoas têm outra forma de ver filmes e escutar música – diz o professor de sociologia de 48 anos.
Apesar do crescimento do consumo de filmes pela internet, Lucas prefere assisti-los por meios tradicionais.
– Prefiro muito mais a mídia DVD. Sempre fui muito "antigo" quanto a isso – garante o jovem de 18 anos.
Segundo Eliane, a diminuição no movimento da locadora começou em meados dos anos 2000, com a ascensão da pirataria de DVDs. Porém, para a proprietária, a chegada do smartphone foi determinante para a queda nos negócios.
– O celular virou uma ferramenta rápida na vida das pessoas, possibilitando baixar música ou filme. Ali, a gente viu que houve uma mudança de mercado – aponta.
Apesar da tendência do consumo de filmes pela internet, a Espaço Vídeos ainda manteve frequentadores de fora da Capital, como Lucas Campos, de São Leopoldo.
– Cresci dentro de uma locadora, alugando filmes. Dá um dor ver isso tudo indo embora. A questão de vir numa locadora, conversar com o vendedor, trocar uma ideia sobre um filme que eu ou ele goste, isso a internet nunca vai ter – lamenta o revendedor de filmes, 27 anos.
Assim como outras locadoras, a Espaço Vídeo era um ponto de encontro para seus frequentadores.
– As pessoas vinham tirar filme e encontrar os amigos. Diziam umas para as outras: "Quanto tempo não te vejo! Vamos nos encontrar na Espaço tal hora". Foi se criando um mercado de referência – relata Eliane.
João Antônio Siqueira, 57 anos, era um desses clientes que batiam ponto por lá.
– Tinha uma época em que todas as sextas vinha aqui só para conversar com quem sabia tudo de filme – lembra o funcionário público, que buscava DVDs de faroeste dos anos 1930 e 1940.
Porém, gradativamente, a referência da locadora como ponto de encontro foi se perdendo
– Quando você acaba tendo acesso a outras mídias, acaba ficando mais em casa, sozinho ou com a família. Aqui era espaço de troca. Sempre que você vinha, havia oferta, alguém te sugeria um filme que tu não conhecias. Então, é um espaço de troca que se perde, ou se transforma, pois teremos que buscá-lo em outros lugares – avalia Marcelo Noronha.
Já João Antônio vê o fim da locadora como referência com receio:
– Isso me assombra: cada vez mais a gente está se encontrando menos, saindo pouco de casa. Há um certo medo, insegurança, que nos impede de estar junto com os outros.
Noronha arremata:
– Em pouco tempo, perdeu-se monte de coisas que eu frequentava: cinema de rua, Estádio Olímpico e, agora, a Espaço Vídeo. Por ter visto tudo isso acabar, me sinto com 150 anos.