Lembra a última vez que você garimpou a prateleira da locadora de vídeo? Para muita gente, esse puxar pela memória já não alcança aquela segunda-feira da derradeira devolução das caixinhas. E isso explica a penosa agonia de locadoras como a Espaço Vídeo, gigante do ramo que encarou até onde teve forças a quebradeira de um tipo de negócio que por mais de três décadas, do VHS ao DVD, foi uma mina de ouro para aqueles que souberam combinar qualidade do acervo e atendimento com conhecimento enciclopédico de cinema.
O fim da era das locadoras tem muitos carrascos. Se a pirataria da mídia física fez seu estrago, embora atendendo a uma faixa de público que era não exatamente o sócio de carteirinha, a pá de cal foi lançada com a popularização da TV paga, da banda larga da internet, das plataformas de streaming e dos torrents que navegam na ilegalidade.
Quem é apaixonado por cinema sabe: o catálogo desses serviços legais – no sentido jurídico do termo – não chega perto do enorme e variado cardápio ofertado por uma boa locadora de vídeo. Faça um teste nos mais conhecidos, da Netflix ao Now, passando pelo celebrado Mubi. Nenhum abriga o mínimo aceitável de títulos que marcaram a história do cinema, os clássicos silenciosos, os saborosos musicais da velha Hollywood, os representantes dos mais importantes movimentos estéticos, as mais exóticas cinematografias, os mais importantes diretores. No rarefeito mundo digital, o passado do cinema é desprezado. Quando muito, é lembrado em um que outro filme óbvio.
Em meio à tragédia, o consolo. O progressivo encolhimento do mercado de DVD e Blu-ray – este um suporte natimorto que mal teve tempo de mostrar seu reluzentes méritos – destina essas mídias à obsolescência. Os espaço para venda direta ao público vai diminuindo, os aparelhos reprodutores sumiram do mercado. Mas com isso veio a queda expressiva nos preços e o surgimento de um oásis no deserto: o comércios de discos usados, espólio de locadoras falidas. Nesses sebos cinéfilos (um bom é a Twin Video, na João Wallig quase Assis Brasil), a garimpagem agora não é mais para garantir o filme querido por uns dias, mas para tê-lo sempre na estante. Se faltar espaço, o troca-troca e a revenda garantem que os bons filmes sigam vivos entretendo e encantando.
Então, você, apaixonado por cinema que lamenta o fechamento das locadoras, com ou sem remorso por ter lhe abandonado tempos atrás, aproveite para manter a janela aberta. O colecionismo, boia de sobrevivência que algumas locadoras identificaram tempos atrás, não é mais um fetiche de aficionados. É o que vai garantir a preservação da memória, da história e da paixão pelo cinema.