A tragédia não aconteceu, está acontecendo.
Esta é a maior agonia: ela não terminou, não tem data para terminar.
Não podemos dar por encerrada a luta pela sobrevivência, sequer dizer que o pior já passou.
A chuva volta, a cheia da Lagoa dos Patos é iminente, a água não baixou para iniciarmos a reconstrução.
Há raiva e revolta no desespero. A primeira camada da dor não tem bons sentimentos. Nem sequer existe como inventariar as perdas enquanto a prioridade é o resgate de vidas em perigo.
Deixamos de ser humanos durante a enchente, somos pedras esperando, numa imobilidade por notícias redentoras: viramos boletins de ocorrência, boletins meteorológicos, índices de elevação dos rios, avisos de abertura ou bloqueio das casas de bombas, SMS da situação da luz, listas de desaparecidos e de óbitos.
Ter água potável ou gasolina tornou-se um privilégio.
Jamais houve, na história do país, o caso de uma unidade federativa como o Rio Grande do Sul, em toda a sua extensão, ser inundada, ser agredida e desfigurada por uma enchente. Dos 497 municípios, 431 estão afetados.
Como reagir a uma devastação que nunca ocorreu antes? Como calcular os danos? Não temos exemplo no Brasil de um evento destrutivo semelhante. Não temos um antecedente para nos apoiar como parâmetro. Seremos pioneiros no soerguimento de um Estado inteiro. Talvez precisemos nos valer de modelos internacionais. Procurar o que foi feito nos Estados Unidos em 2005, após a passagem do furacão Katrina, que varreu com ventos de 280 km/h três estados — Louisiana, Mississipi e Alabama. Na ocasião, 80% de New Orleans acabou inundada. Cerca de 1 milhão de pessoas se viram desalojadas. O projeto de reestruturação do território, com barreira de concreto e residências adaptadas para a ameaça de eventos climáticos, demandou uma fortuna: US$ 14,5 bilhões. Batizado de “Muralha”, levou uma década para ser concluído.
Se seguirmos o exemplo estadunidense, arcaremos com uma longa década de investimento paralelo, envolvendo o final dessa gestão e mais dois mandatos de governador. O custo alcançaria 74,6 bilhões de reais, 11,7% do Produto Interno Bruto (PIB) do RS, que é, em condições normais, de R$ 640,3 bilhões (2023).
Só que não produziremos dentro da normalidade — há empresas destruídas, lavouras comprometidas, suspensão temporária de contratos de trabalho.
Em qualquer um dos cenários, dependeremos da soma de um pacto nacional, da anistia das dívidas, de uma mobilização descomunal e de um milagre.