Por mais que o esforço da Defesa Civil e de voluntários se revele sobre-humano, insone e incansável, vasculhando cantos remotos do Rio Grande do Sul, as mortes seguem crescendo. Em poucas horas, ocorre a submersão de casas ou deslizamentos de terra.
Uma das cenas mais trágicas da maior enchente da história gaúcha se desdobrou em Roca Sales, expondo a nossa impotência diante da monstruosidade da invasão das águas e do deslocamento súbito do solo.
Trata-se de uma das cidades do Vale do Taquari mais atingidas pelas cheias, arcando com enchentes sucessivas em setembro, novembro e agora.
Pelas imagens aéreas, nem é possível acreditar que antes reinavam casas no município de 11 mil habitantes. Só enxergamos destroços enlameados, como se houvesse acontecido a passagem ávida e fulminante de um furacão.
Uma família inteira não conseguiu fugir. Os cinco integrantes foram soterrados em sua residência de madeira, na encosta de um morro. Havia uma menina de 13 anos, o irmão de 31 anos e sua namorada de 25 anos, pai e mãe.
O que impressionou o resgate, causando uma comoção assustadora entre o Corpo de Bombeiros e policiais, é que todos estavam abraçados. Eles se mantiveram próximos, colados, respirando juntos, dando as mãos em seus derradeiros instantes, num apego amoroso e misericordioso.
O jornalista catarinense William Fritzke, ex-bombeiro, formado em Perícia Criminal, editor da rádio Studio FM 99.1, de Jaraguá do Sul (SC), tinha sido avisado por parentes de uma família que se encontrava isolada em local de difícil acesso. No domingo (5), foi levar mantimentos por helicóptero, pousando em campo de futebol, ao lado de um cemitério. Ele ainda andou por 1km, em estrada íngreme e bloqueada pelo barro.
— Com toda a minha experiência, nunca vi nada parecido em minha vida — ele me relatou.
Infelizmente, ele descortinou uma extensão do cemitério debaixo daquele lar. As pessoas estavam enlaçadas umas nos ombros das outras como numa roda de prece, talvez escondidas em um dos quartos.
— É inimaginável. O morro desceu e acabou atingindo aqui. Aquele morro inteiro desmoronou. O que aconteceu aqui é terrível, uma tristeza sem precedentes — comentou.
Este é o maior perigo de uma enchente catastrófica e pérfida como a que enfrentamos, que já atingiu 414 dos nossos 497 municípios: não temos noção ainda do tamanho das perdas. Navegamos atrasados e às cegas pelos escombros. Como os rios não baixaram o suficiente, não existe como fazer um retrato fidedigno dos flagelados incomunicáveis.
Até o momento em que eu escrevo, atingimos cem óbitos. Há 128 desaparecidos. Os números são incipientes.
A família que morreu abraçada estava há uma semana assim.