Minhas pandorgas tinham razão.
Os fios de luz são os nossos inimigos.
Quantas pipas feitas com paciência e cola, com delicadeza e capricho, perderam-se nos postes do meu bairro?
Trabalho de dias de confecção, com madeira e papel colorido, se esvaía nos mesmos obstáculos.
Elas ficavam presas pela rabiola. Esta, formada de tiras de sacola, atuava como vetor da direção do fio e era decisiva por conferir estabilidade, aerodinâmica e equilíbrio ao brinquedo.
Quando empinada, a base escapava do perigo, mas a rabiola se enroscava nos fios. Fracassava repetidamente no enfrentamento inimigo.
Eu odiava os postes com todas as minhas lágrimas, que reduziam o céu da minha infância, que não me permitiam voar alto.
Outra vez, o exército de postes, com seus novelos enfeando a paisagem, com sua cabeleira enredada de conexões, apresenta-se como vilão incidental por tantos transtornos nos dias de apagão.
Como diz meu colega Marcelo Rech, em sua racionalidade límpida, “enquanto houver vento e árvore, haverá falta de energia”.
A única solução é enterrar a fiação, é mudar a fiação hoje aérea para a subterrânea.
Com a regularidade de eventos climáticos adversos nos últimos meses, como ciclone extratropical, enchente (a maior desde 1941) e tempestades com rajadas violentas a 89 km/h, só nos resta assumir a empreitada de tal investimento. O custo é a nossa sobrevivência. Ou sempre careceremos de energia elétrica, sofrendo baques constantes em nossa economia.
Não podemos culpabilizar as árvores, pois elas são determinantes para a qualidade do nosso ar e responsáveis por alcançarmos o raro status de uma das capitais mais arborizadas do país.
As companhias de energia não têm como recorrer mais a soluções paliativas. Ou enterram a fiação, ou enterram definitivamente qualquer credibilidade na distribuição do serviço, que já não é barato para o consumidor.
Vou além: o caminho para a evolução já está pavimentado pelo Executivo. O prefeito Sebastião Melo (MDB) sancionou lei que determina que empresas e concessionárias substituam o sistema atual por um cabeamento subterrâneo até abril de 2038. O projeto, de autoria dos vereadores Cassiá Carpes (PP) e Fernanda Barth (PL), foi aprovado em dezembro de 2022 pela Câmara Municipal.
A questão agora é, a partir do estardalhaço da opinião pública, vencer as resistências idiossincráticas da CEEE Equatorial para começar logo os trabalhos. Não podemos esperar 14 anos, o prazo máximo legal, para mexer no solo.
Aliás, qualquer edificação vindoura na cidade já é obrigada a seguir a legislação, como condição prévia para aprovação do loteamento.
A nova orla do Guaíba é um exemplo da beleza desimpedida com a implantação do sistema subterrâneo. Na região, os fios estão debaixo da terra.
Lá, minhas pandorgas de menino seriam livres.