A Câmara de Vereadores aprovou nesta semana projeto de lei que estabelece a retirada da fiação aérea das ruas de Porto Alegre em até 15 anos. Pela proposta, as redes de infraestrutura de cabeamento para a transmissão de energia elétrica, de telefonia, de comunicação de dados via fibra óptica e de televisão a cabo deverão ser exclusivamente subterrâneas. Os vereadores Fernanda Barth (PSC) e Cassiá Carpes (PP) são os autores da proposição. A reportagem de GZH apurou que a prefeitura pretende sancionar a lei ainda no primeiro semestre de 2023, mas iniciativa pode esbarrar em questões legais do setor elétrico, sob competência da União.
— O prefeito Sebastião Melo já nos sinalizou que tem interesse em fazer a sanção da lei. Como ele mesmo diz, "do jeito que está não vai ficar". Porto Alegre está numa situação muito extrema de abandono de fiação — reconhece o secretário do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade da Capital, Germano Bremm.
A poluição visual pelo emaranhado de fios nos postes de iluminação é perceptível na cidade. Ruas e avenidas mais movimentadas e de intensa circulação, como Ramiro Barcelos, Protásio Alves, Ipiranga, Osvaldo Aranha, Bento Gonçalves, entre outras, exibem concentração de fiação em vários pontos. Além disso, as quedas de luz em função da exposição da infraestrutura às intempéries e os furtos de cabos metálicos são outros problemas recorrentes na rede aérea.
— A prefeitura vê como positiva a proposição no sentido de criar esse marco de substituição da fiação aérea para o subterrâneo — observa o titular da pasta, dizendo que o município tem autuado com frequência a CEEE Grupo Equatorial.
Porém, a questão não é tão simples. Mesmo que o projeto de lei seja sancionado por Melo, será necessário, além de um detalhado cronograma de obras, saber de onde sairá o dinheiro para promover a substituição da fiação. A prefeitura tem um estudo em andamento.
— Nossa tentativa é achar um modelo, como uma PPP (Parceria Público-Privada), uma espécie de concessão do subsolo, para uma empresa fazer os dutos — revela Bremm.
Conforme o secretário, a empresa que criasse os dutos poderia explorá-los comercialmente, com outras empresas pagando para ela a hospedagem dos fios no espaço subterrâneo. Responsável pelos dutos, essa empresa faria o gerenciamento e a manutenção dos próprios dutos.
— O prefeito nos cobra bastante essa questão dos fios, e é uma pauta muito presente para ele — garante Bremm.
O presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul (CAU/RS), Tiago Holzmann da Silva, também avalia o que representaria executar a substituição da fiação para o subsolo.
— Trata-se de uma tecnologia superior muito bem-vinda. A única desvantagem seria o custo para implantação. É mais cara, mas mais segura e fácil de fazer a manutenção — atesta.
Além da questão técnica envolvida e do embelezamento da paisagem, que não teria mais aquele amontoado de fios, o presidente do conselho ainda menciona outro aspecto relevante.
— As árvores se desenvolveriam de maneira mais natural. A fiação subterrânea impediria as podas que danificam a vegetação e deixam as árvores em forma de “v”. Muitas quedas de árvores ocorrem por causa dessas podas mal feitas — afirma.
Arquiteto urbanista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Benamy Turkienicz explica como se daria a viabilidade de um projeto dessa magnitude para a Capital.
— A parte técnica normalmente é feita através de valas em trechos subterrâneos, que geralmente acompanham o meio-fio — relata.
O docente contextualiza como acontece atualmente a relação entre prefeitura e concessionária.
— Existe uma concessionária (CEEE Grupo Equatorial), que tem um contrato de concessão com a prefeitura. Esta cede à concessionária o espaço público para ela instalar a rede. Da forma como está esse contrato hoje, a concessionária pode colocar postes e puxar fios. A substituição por valas e fiação subterrânea vai depender de um novo contrato — observa.
Turkienicz ainda opina sobre outro ponto.
— O problema não é aprovar o decreto, é ter condições de implementá-lo.
Apesar das dificuldades no horizonte, a ideia é bem recebida por quem acompanha as transformações urbanas de perto.
— A fiação em uma cidade como Porto Alegre chegou em um nível muito prejudicial. E também tem a questão da segurança, com os roubos e subtrações de cabos que prejudicam os consumidores. Está mais do que na hora de termos um plano a médio e longo prazo e com cronograma estipulado, porque isso é muito importante para a cidade — reflete o professor Luciano Fedozzi, integrante do Observatório das Metrópoles.
Pela proposta dos dois vereadores, a conversão da rede aérea para a subterrânea, que exija a instalação de tubulações de cabos subterrâneos, será executada, de preferência, pelo método não destrutivo. Ou seja, que não necessite destruir ou danificar a camada superficial das ruas, avenidas, praças, calçadas e demais equipamentos públicos. Mais um motivo para o planejamento precisar ser realizado em detalhes.
A vereadora Fernanda Barth (PSC) acredita que o projeto de lei vem para auxiliar o Poder Executivo. A política estima que deverá ser sancionado ainda no primeiro semestre de 2023 (o secretário Bremm comentou com a reportagem que será no primeiro trimestre).
— A gente sabe que existe uma intenção do Executivo de fazer uma PPP ou concessão para viabilizar toda essa substituição, que não será mais feita por debaixo das calçadas como era realizado antigamente — comenta Fernanda, acrescentando: — Existe uma nova tecnologia, que cava uma valeta bem estreita ao lado do meio-fio do tráfego de trânsito e assim se faz a colocação.
A reportagem de GZH questionou a CEEE Grupo Equatorial sobre a possibilidade de substituição de redes aéreas por subterrâneas, entre outros pontos. Confira, abaixo, a nota com a resposta:
“A CEEE Grupo Equatorial informa que legislar sobre energia elétrica é competência exclusiva da União, delegada à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), e que a substituição de redes aéreas por redes subterrâneas não é uma obrigação legal à concessão, de acordo com os normativos regulatórios do setor.
Isto porque a regulação da Aneel é rigorosa com relação a prudência nos custos realizados em obras e exige que seja avaliado o menor custo, de modo que garanta a prestação do serviço sem onerar demasiadamente os consumidores da concessão.”