Você demonstra que ama alguém quando passa a se preocupar com a sua saúde. Quando você começa a ir ao médico com mais frequência. Quando você se estuda para evitar qualquer problema futuro.
Tem agora uma pessoa ao seu lado que aumenta o seu desejo de viver. Antes dela, nem levava a sério a longevidade. Depois dela, você sofre ao imaginar em partir mais cedo e perder tudo o que há ainda para descobrir junto.
Sem Beatriz, era relapso, inconsequente, mal dormia, carregava o meu corpo até o seu limite. Não me importava em estar exausto, acabado, estrebuchado.
De modo inconsciente, exercia um projeto suicida, desempenhava dias extremistas. De repente, eu me esbaldava num rodízio de churrascaria, a ponto de ficar enjoado de tanto comer, em seguida, experimentava turnos sem pôr nada na boca.
Bebia água raramente. Fazia vista grossa para frutas e verduras. Abusava de refrigerante e doces. Eu me achava invencível.
O amor trouxe a fragilidade de volta para o meu horizonte, repôs a humildade da minha pele, despertou a vulnerabilidade das minhas emoções. Eu me dei conta da minha mortalidade por causa de um sentimento imortal pela Beatriz.
Encontrei uma disciplina e uma rotina para espichar a minha existência. Mudei até a minha relação com as enfermidades e contratempos físicos.
Nunca cumpria nenhuma medicação por mais de uma semana. Não terminava antibióticos para garganta, ouvido, alergia. Não seguia a posologia de anti-inflamatórios ou antibióticos.
Havia a receita que indicava o claro uso continuado manhã e noite durante dez dias. Fingia concordância nas 48 horas iniciais a ponto de me despertar de madrugada e suspender a cervejinha com os amigos. Mas eu parava no terceiro dia, quando me restabelecia e ganhava disposição e ânimo.
Trai a Amoxicilina, a Cefalexina, a Ciprofloxacina, o Ibuprofeno, a Nimesulida, o Voltaren. Não sofria de culpa pela infidelidade médica.
Abandonava a letra do doutor ou da doutora afixada na geladeira, largava as cartelas pela metade na caixinha de primeiros socorros no banheiro.
Sempre fui imediatista, passional, jamais respeitava a regularidade dos tratamentos longos.
Com a minha esposa, aprendi a ser mais prudente e obediente, menos egoísta. Porque a vida não é só minha, mas também da minha família. Sou apenas um sócio majoritário dela.
Parti para uma reabilitação de costumes: seguir à risca o que pode me fazer bem. Estou finalmente com aquela paz de quem se conhece e se respeita.
Parti para uma reabilitação de costumes: seguir à risca o que pode me fazer bem. Estou finalmente com aquela paz de quem se conhece e se respeita.
Vejo que sou falível e imperfeito e, portanto, preciso cada vez mais de mim para oferecer o que tenho de melhor para os outros.
Não acho mais que vou durar para sempre, e assim me controlo para que o meu amor com a esposa dure para sempre.
A prevenção é sinal de felicidade emocional.
Posso entender a minha passagem por aqui além do meu umbigo, do meu narcisismo.
Sou capaz de terminar o remédio até o último dia da receita, a nossa paixão até o nosso último dia de mãos dadas, de bocas coladas.
Não tenho mais pressa de morrer, pois reconheci em tempo hábil que não vivo sozinho.