O escritor argelino Albert Camus esteve em Porto Alegre, em 1949. Achou a nossa luz bonita, a cidade nem tanto.
Aos 35 anos, autor de O Estrangeiro e O Mito de Sísifo, um dos grandes nomes da estética do absurdo e da resistência ao nazismo, dissidente do existencialismo de Jean-Paul Sartre, ele vivia o seu auge.
Camus viria a ser Nobel de Literatura em 1957. A mediação da sua palestra ficou a cargo de Erico Verissimo.
A capital gaúcha mergulhou em estado de transe e polvorosa para assistir a um dos maiores pensadores contemporâneos.
Naquela época, não havia ciclo internacional de conferências como o atual Fronteiras do Pensamento. Era uma raridade. Era uma exceção para romper o estigma de província.
Os principais intelectuais gaúchos compareceram ao evento: Carlos Reverbel, Dante de Laytano, Guilhermino Cesar, Manoelito de Ornellas e Moysés Vellinho, entre tantos.
A intuição precisa ser mais acessada em nossas decisões.
No auditório lotado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sentado numa das primeiras fileiras, encontrava-se o poeta conterrâneo de Erico, Heitor Saldanha, natural de Cruz Alta. Ele havia publicado um livro sofrido e lindíssimo de sua experiência nas minas de carvão em São Jerônimo, intitulado A Hora Evarista.
Autodidata, de uma literatura engajada que retrata as causas das classes oprimidas, participante do Grupo Quixote, foi lá testemunhar as teorias de “objeção da consciência” e os fundamentos da independência da Argélia do jugo dos colonizadores.
Um colega de Saldanha, metido a besta, percebendo-o no público, chegou perto dele e o constrangeu:
— O que está fazendo aqui, Saldanha? Você não sabe francês.
Saldanha devolveu um olhar complacente, piedoso:
— Eu não sei francês, mas tenho intuição. A intuição jamais é penetra.
A lição aplicada em seu amigo diz muito sobre o poder desse sentimento inconsciente.
A intuição precisa ser mais acessada em nossas decisões, porque consiste em ouvir a própria voz interior, respeitar a nossa essência.
Ela conhece o que é bom ou o que é ruim em nossa vida. É a proteção da nossa verdade pessoal, um aviso da nossa alma sobre aonde devemos ir ou o que devemos fazer. Ela é que escolhe os nossos amigos de acordo com a nossa sensibilidade, ou os nossos amores, de acordo com as nossas fragilidades.
Não tem a ver com profecia ou com leitura do futuro, mas com predisposição a ser feliz ou triste. É, acima de tudo, a interpretação da nossa natureza, dos nossos limites e quereres. São palpites, ecos da mente, que levam em conta nossas experiências anteriores e que vêm à tona para evitar a repetição de mágoas.
A intuição é a cicatriz de uma ferida, que previne um novo sangramento.
Tanto que às vezes não ouvimos a nossa intuição ou a interrompemos quando ela está falando, e nos maltratamos vivendo situações adversas ou suportando companhias prejudiciais à saúde emocional.
Que sejamos mais plateia de nossa intuição, como Heitor Saldanha. Ela é poliglota de nossas dores.