Andar de carona com minha esposa é emocionante, uma aventura, um percurso carregado de adrenalina.
De modo nenhum, dirige mal e me coloca em risco. Pelo contrário, é melhor do que eu no volante. Estaciona com facilidade em qualquer lugar, em qualquer baliza apertada, não corre, não ultrapassa nas curvas ou nas proibidas linhas duplas, mantém uma velocidade constante, respeita os sinais de trânsito, não comete nenhuma barbeiragem.
A emoção vem do seu hábito de recorrer ao tanque reserva. Ela testa o resto da gasolina. Desafia a sorte.
Acende a luz vermelha no painel para reabastecer, e ela vai usando o carro durante dias assim, sem nervosismo, sem ansiedade, sem parar em nenhum posto.
No casamento, não temos como mudar o outro.
Acredita sempre que pode andar um pouquinho mais. Segue indo para o trabalho, segue realizando as compras no supermercado, segue frequentando a academia, segue visitando o pai e as tias, tudo com o combustível extra que permite uns cinquenta quilômetros.
Ela não explora a matemática, não põe no papel a rentabilidade dos cinco litros restantes. Não emprega a seu favor a segurança dos números e das estatísticas. Vive do achismo, do cálculo espiritual, da força do pensamento, do entrosamento dela com o seu carro.
Beatriz parece um Buda da tranquilidade. Nunca teve o carro parado por pane seca. Nunca se valeu dos saquinhos indigentes do posto. Nunca empurrou o veículo para o acostamento. Nunca andou pelo meio-fio ansiando por avistar um painel de LED.
Não enfrentou nenhuma história adversa na estrada ou na cidade.
Abusar do tanque reserva deve ser o maior psicotécnico da vida, a maior prova de controle e de paz de espírito. É para pessoas ninjas, evoluídas, confiantes.
Comparado a ela, eu exalo desespero, suo frio, meus batimentos cardíacos aceleram. Paro no posto logo que a luz acende. Não encontro freios na hora de fantasiar o pior.
Mudo de rota se for necessário, para me socorrer da bomba mais próxima. Tenho medo do guincho, ela não. Tenho pânico de o carro morrer de repente e do vexame do triângulo, ela não.
Já tentei adverti-la. Já busquei conversar sobre os riscos noturnos. Já pensei em levá-la para atravessar os 140 quilômetros do trecho entre Alegrete e Uruguaiana sem nenhum ponto de abastecimento, para dissuadi-la da eficácia de sua mágica, para combater seus milagres, para me envaidecer de razão e aplicar uma lição de cautela de uma vez por todas. Só não faço isso porque, no fim, eu é que caminharei no deserto do pampa pedindo ajuda.
No casamento, não temos como mudar o outro. É uma batalha perdida. Aprendemos a respeitar o temperamento oposto.
Mas, convenhamos, viver comigo requer mesmo essa calma. Sou seu tanque reserva.