Hoje, em casa, a bênção é mais importante do que “eu te amo”.
A bênção é um amor que vai e volta.
A bênção é proteção na estrada, vigília, demonstração de que a pessoa está sempre junto com você, não somente no momento presencial.
Ela viaja com você em pensamento. Segue você com a saudade.
No “eu te amo”, você está falando de si. Na bênção, está falando do outro, está preocupado com o outro.
Depois que a minha mãe envelheceu e passou a ser a nossa “nonna”, houve uma mudança na nomenclatura da declaração amorosa dentro da família.
Podemos nos despedir sem dizer que nos amamos, mas não me despeço dela sem receber a sua oração.
O “eu te amo” está implícito, nem é mais dito.
Podemos nos despedir sem dizer que nos amamos, mas não me despeço dela sem receber a sua oração.
É estranho pensar que, na infância, não contava com paciência para a reza antes da refeição, irritava-me ver a comida esfriar e a fome aumentar. Agora adulto, não abro mão de sua sagração caseira.
Talvez por ter ouvido de minha sogra uma frase que me transformou por completo: “Deus não precisa de você, é você que precisa de Deus”.
E também porque nunca saberei quando o “tchau” será “adeus”, quando o encontro virará lembrança, quando estarei frente a frente com a minha mãe pela última vez.
Não mais entrego a minha vida à onipotência de acreditar que terei todo o tempo pela frente. O tempo é hoje, nada mais.
A morte é um repente. Não temos véspera para aprontar as malas, escolher o conteúdo das bagagens e das palavras.
Para mim, o que ela realiza em breves e cerimoniosos minutos não é uma superstição ou simpatia. Não acho que acontecerá algo de ruim com a ausência do seu gesto. Não tem relação egoísta e temerosa com maldição e azar, é tão somente gratidão de estar perto dela.
Abaixo cada vez mais a minha cabeça, pois a minha mãe diminui de corpo e cresce em alma.
Nossas mães eram bem mais altas quando éramos crianças e adolescentes. Das suas costas na velhice, já pesam as asas de anjo.
Antes de nos despedirmos, ela completa o sinal da cruz em minha testa. Eu fecho os olhos para o beijo úmido de seus dedos. Aprendemos a nos beijar pelas mãos.
O cumprimento é feito tradicionalmente ao pé da porta, quando a visita já teve abraços, cuca e chimarrão, quando sentimos que colocamos a conversa em ordem.
Não abdico do seu toque de afeto. Da reverência. Eu me curvo diante de quem me gerou. O desejo do ventre, o desejo de que eu nascesse continua acontecendo dentro dela. Um filho permanece sendo desejado pela mãe todo dia.
Faço questão de que os netos também recebam a graça. Minha mãe é a nossa maestrina, e nós somos a sua orquestra.
Ela exerce a regência em nossos destinos com movimentos firmes e decididos, emprestando um pouco da sua fé para que possamos lidar com as nossas adversidades e frustrações.
Se o “eu te amo” é o equivalente a um “te cuida”, a bênção dá um passo além, é um inigualável “eu te cuido”. Vem de alguém que cuida de você mesmo quando você não está atento ao seu coração.