Há uma confusão entre esfera privada e pública nos cargos executivos, desde os tempos da corte portuguesa.
É a mais longeva doença da política brasileira, que continua a contagiar os representantes do voto popular. Não vejo vacina ética sendo produzida pelo Butantan.
O poder cria um deslumbramento onipotente de obter vantagens e privilégios pessoais durante o exercício de funções governamentais.
O primeiro caso emblemático recente é o uso do ministro das Comunicações, Juscelino Filho (União Brasil-MA), de diárias e de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para comparecer a um leilão de cavalos de raça em janeiro, sob a justificativa de que se tratava de uma viagem “urgente”. Acho que o governo brasileiro não está interessado em adquirir cavalos de puro sangue. Ou estaria realizando um movimento subterrâneo para a volta da monarquia e da carruagem real.
Se Lula demorar a exonerá-lo, acabará passando pano para R$ 140 mil que saíram dos cofres dos contribuintes para custear as despesas do ministro.
Outra situação misteriosa são as joias dadas pelo governo da Arábia Saudita para a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, avaliadas em 3 milhões de euros (R$ 16,5 milhões) e retidas na alfândega em mochila do militar Marcos André dos Santos Soeiro, que assessorava o então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque. O fato aconteceu em outubro de 2021, e só veio à tona recentemente, em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo.
A legislação brasileira impõe a declaração de bens vindos do exterior com valor superior a mil dólares. Todos que viajam sabem disso. Querer passar com essa fortuna escondida é contrabando, sonegação de imposto de importação. O cavalo de Troia foi muito mal-ajambrado. Era impossível desconhecer o que vinha sendo levado numa mochila. Ninguém carrega pacote às cegas pela triagem da Receita Federal. É uma ingenuidade que não combina com o rigor detalhista da diplomacia.
Até porque a Petrobras havia acabado de vender uma refinaria por 1,8 bilhão de dólares para um grupo da Arábia Saudita, e o mimo soaria como propina em caso de favorecimento particular.
A gestão de Bolsonaro poderia receber o colar, o anel, o relógio e o par de brincos de diamantes a título de presente oficial, o que não é ilegal. Seriam propriedades do Estado, não da família do ex-presidente, não para serem levadas no frete com o fim do mandato.
As relíquias ficariam no Palácio do Planalto e, certamente, teriam sido saqueadas ou destruídas na invasão de 8 de janeiro, em que houve depredação de grande parte do acervo artístico e arquitetônico da história brasileira.
Mas daí já seria loucura de minha parte acreditar que as joias estariam sendo poupadas de um infortúnio futuro. Prefiro não cair em teorias de conspiração.