
Sentiremos saudade do que nunca mais será desenhado pelo Paulo Caruso. Afinal, o paulistano foi quem melhor retratou o nosso último meio século.
As folhas ficaram órfãs. As canetas secaram. Os convidados do programa Roda Viva não terão mais a alegria da reprise de suas histórias coloridas feitas na hora. Durante mais de 35 anos, ele realizou mais de duas mil charges em tempo real no programa. Não há antecedente na história da televisão brasileira.
Conseguia ser rápido e preciso simultaneamente, numa espécie de psicografia das expressões faciais. Ele entrevistava o convidado paralelamente em sua bancada muda, com o registro das frases polêmicas. Muitas vezes, emparedava as personalidades em suas próprias mentiras. Nada escapava de sua atenção altamente politizada e bem informada.
Paulo Caruso se despediu aos 73 anos, depois de sua luta contra o câncer.
Seu irmão gêmeo, Chico Caruso, era o Rio de Janeiro. Paulo era a capital paulista. Ambos se completavam na cartografia dos cartuns. Com o seu mano, empreendeu shows de paródias e gravou discos.
Arquiteto formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), preferiu seguir a carreira da geometria das cores vibrantes. O fundo expressionista dos seus desenhos, que traduzia as turbulências políticas do país, contrastava com as caricaturas de traços firmes e minuciosos de seus modelos.
Da ponta do seu lápis, fotografava o nosso caos, as nossas incoerências, os desmandos da nossa política assistencialista.
Ele foi nosso Otto Dix do regime militar com o semanário de humor O Pasquim, ícone da resistência à censura, em um time que incluía a nata do grafismo nacional, com nomes como Ziraldo, Jaguar, Henfil, Millôr Fernandes, Fortuna e Reinaldo Figueiredo.
Como o alemão Dix na Primeira Guerra Mundial, artista que denunciou a maneira com que os ex-soldados feridos e aleijados estavam sendo tratados na Alemanha, Paulo expunha a pobreza por trás da aparente ordem e repressão antidemocrática.
Largamente homenageado, recebeu o Troféu HQ Mix e o prêmio de melhor desenhista da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA). Organizou o Salão Internacional de Humor de Piracicaba, revelando talentos. Atuou nos principais veículos da imprensa, entre eles, Isto É, Jornal do Brasil, Época, Folha de S. Paulo e Veja, além de colaborar com publicações especializadas em humor, como Circo, Chiclete com Banana e Geraldão.
“Avenida Brasil” tornou-se uma de suas colunas mais tradicionais, na arte engenhosa de transferir para a rua tudo o que se fazia de escondido nos gabinetes.
Um dos fatos curiosos de sua biografia é que ele começou a desenhar para lutar contra a morte. Havia em sua família a crendice popular de que um dos gêmeos morreria cedo. Com medo de que a superstição virasse verdade, a mãe mantinha os filhos o máximo possível dentro de casa. Para distraí-los, distribuiu lápis e cadernos. Os irmãos passavam o dia desenhando, longe do futebol e das brincadeiras da calçada, inventando um mundo alternativo pelos riscos da solidão a dois. Sem querer, criaram o antídoto do envelhecimento. Sempre serão jovens para as novas gerações.
Paulo imortalizou-se de tanto sonhar na sua prancheta e combater os maremotos de nossos pesadelos.



