A 68ª Feira do Livro de Porto Alegre começa hoje. Espero todo mundo na Praça da Alfândega, às 18h, na solenidade de abertura.
Não somente porque estarei passando o patronato ao meu pai, o poeta Carlos Nejar — e certamente eu e ele estaremos pagando vexame juntos, chorando como crianças —, mas também porque o espaço é um achados e perdidos de amizades e amores — aquele colega do ensino médio com quem perdeu o contato, você o reencontrará certamente lá.
Sinto que vou embargar a voz. O que me consola é que o pai me emprestará o lenço que carrega no bolso do seu terno. Ele é um cavaleiro à moda antiga, não sai de casa sem o lenço — essa rosa branca ou vermelha brotando do coração dos homens.
Enquanto estivermos no palco, mais do que como escritores, ambos nos enxergaremos, alheios aos protocolos, como pai e filho — às vezes sou seu pai, às vezes ele é meu filho. Enquanto ocorrer a homenagem pública, haverá gentilezas privadas entre nós, um cuidará do outro com o olhar: eu verei se seus sapatos estão amarrados, ele verá se a minha gravata está torta, eu verei se não há nenhuma mancha de pasta de dente em sua camisa, ele verá se fiz bem a barba na borda do pescoço. São atenções discretas que talvez ninguém perceba, mas que fazem a maior diferença para o amor.
Não espere até o dia 15 de novembro. Não deixe para depois, não se adie, não planeje excessivamente. O tempo corre e não é devolvido. Venha para perto dos jacarandás já nesta sexta, traga a família. Meus pais me levaram desde bebê e deu no que deu: foi tanta paixão pelas barracas que os três assumiram a condição de patronos (a mãe Maria Carpi em 2018, eu em 2021, o pai nesta edição).
Aproveite os descontos da Feira para comprar os presentes de Natal, para antecipar o material escolar, para escolher suas leituras de férias. Faça uma listinha de obras essenciais. Procure os autores que ama para um abraço e um autógrafo. Encha a térmica até a borda e converse mateando com os livreiros — eles são capazes de adivinhar o seu perfil e indicar de que anda precisando no momento para ajeitar a vida. Participe dos debates gratuitos e das oficinas com os mais representativos nomes da literatura contemporânea. Entre os destaques estrangeiros, teremos a presença do norueguês Geir Gulliksen, que escreveu História de um casamento, e da argentina Florencia Bonelli, que publicou O feitiço da água. Não tem que pagar entrada, nem um centavo para ouvir grandes pensadores.
Não há no mundo uma feira a céu aberto com tamanho lastro. No ano passado, não choveu sequer um dia, havia somente as folhas amarelas da primavera cobrindo as passarelas de vidro. Tomara que tenhamos a mesma sorte.
Como ando num momento de remissão dos pecados, própria da crise de quem completou cinquenta anos, quero pedir desculpas para o escritor Tailor Diniz. Já apliquei nele o famoso golpe das sacolas, que consiste em segurar as sacolas cheias de livros do outro, por aparente generosidade, na hora em que ele compra pipoca ou tira uma foto, e devolver no lugar as próprias sacolas somente com mostruários de estandes, guias de programação e folders de propaganda.
Aqueles livros que você jura que comprou e não sabe onde foram parar, Tailor, estão comigo.
Feira do Livro
Opinião
Golpe das sacolas de livros
Sinto que vou embargar a voz. O que me consola é que o pai me emprestará o lenço que carrega no bolso do seu terno
Fabrício Carpinejar
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