Minha mãe é a representante do Divino de casa. Dona Maria costuma levar as pendências familiares e aflições de seus quatro rebentos adultos para a missa cedinho. Paga, inclusive, antecipadamente, as promessas no nosso lugar. Não espera que a gente suba escadarias de joelhos ou caminhe da Capital a São Leopoldo para agradecer uma dádiva alcançada no santuário do Padre Reus. Conhece a nossa indolência religiosa, a nossa preguiça na oração e na gratidão, teme contrair dívidas por nós.
Não bastasse ser a fiadora dos nossos imóveis aqui na Terra, é a nossa avalista do Céu.
Tanto que, por uma questão de lealdade, costumo dizer que, se tivesse um anjo do lado esquerdo e a mãe do lado direito no Juízo Final, abraçaria a minha mãe. O anjo restaria de braços vazios.
Só que as suas rezas estão cada vez mais doidas e contraditórias.
Acho que até Deus fica confuso. Numa mesma manhã, Ele recebeu pedido para um filho ter menos trabalho e para outro filho ter mais trabalho. Um pretendia diminuir a sua demanda, e o outro, aumentá-la. Um estava sobrecarregado de tarefas e clamava por alívio, o outro estava buscando ocupar a agenda e resolver o mês financeiro com uma maior tranquilidade.
Eu era o segundo filho, e logo em seguida fui convidado para escrever neste espaço. Jamais imaginei ser responsável por uma coluna diária. Nem posso lamentar-me de dor nas costas e formigamento da mão; inventei de recorrer aos canais místicos da mãe, fui prontamente socorrido, perdi no ato o direito de mimimi.
Tome cuidado com o que você reclama para a sua mãe. A oração materna tem força.
Eu estou morrendo de medo de o meu irmão ser demitido. Ele não deveria ter pedido menos trabalho. Já vi que Deus atende, mas pode exagerar na dose.
Minha mãe é obrigada a lidar com os vaivéns emocionais dos seus filhos. Nunca todos seguem a mesma direção. Parte está indo, parte está voltando de um compromisso. Não facilitamos a sua fé com uma oração coletiva, padronizada, a acolher um único ideal.
Houve uma madrugada tensa em que desfiava uma pedra do terço para que um filho casasse, pois estava acomodado em um longo noivado, e, na pedra seguinte, rogava piedade para que um filho preso a um matrimônio infeliz encontrasse força e coragem para se descasar. Da Ave Maria ao Pai Nosso, os nomes mudavam para graças contrárias — o rosário era enodado, embaralhado, não se resumia a uma triagem fácil das súplicas.
Quando converso com a mãe enquanto sorvemos o amargo do chimarrão e ela me pergunta se está tudo bem, se venho precisando de algo, penso agora duas vezes antes de falar. Ela pode mudar radicalmente a minha vida.