Mais pelas fotos e relatos da família do que propriamente pela minha memória daquele tempo, eu sei que morava em uma casa grande com pátio. Não havia luxo. Piscina? Só a de mil litros! A cada verão, a estrutura de ferro coberta por uma lona enfeitada com ondas azuis era montada. A mangueira jorrando água e a alegria de ir acompanhando o líquido subir devagarinho até tapar os pés, depois, os joelhos, e, no máximo, chegar à cintura dos pequenos. Para banhar-se mais do que isso, era preciso deitar. E a gente deitava. E era bom.
Em um dos cantos do grande pátio de ladrilho, havia uma cancha de areia. Sim, um quadradão de cimento cheio de areia! Quer algo mais legal para duas crianças? Minha mãe, pedagoga, sabia da importância daquele tipo de interação. E eu e meu irmão aproveitávamos. Baldinhos espalhados pelo chão e tinta liberada para pintar as paredes.
Quando era preciso replantar as flores, os canteiros - compridos e fininhos - viravam nossa raia de natação. Nadar no barro era uma grande diversão. Só o branco dos olhos e do sorriso aberto identificava que havia crianças debaixo daquela lama toda.
Como a casa ficava em um espaço isolado, não era raro ter animais por perto. Um dia, minha avó, que era uma senhora muito distinta e cheia de pose, estava concentrada em trocar minhas fraldas quando, de repente, sem pedir licença, uma vaca que pastava pela região colocou a cabeça pra dentro da janela. No susto, a neta ficou esquecida na cama e precisou ser socorrida pela mãe, que cozinhava tranquila.
Ainda sobre o convívio com animais, patinhos chegaram a frequentar aquela casa. Patos de verdade, que nadavam em uma bacia e corriam pelo pátio, eram meus parceiros de brincadeira. E tinha uma cachorra: a Ninita. Ninita era impossível. Não se podia pendurar um lençol no varal que ela puxava até derrubar e arrastar pelo chão. O único lugar pra onde a Ninita ia sem reclamar era a casinha. Um bela tarde, eu despareci. Não importava o quanto minha mãe gritasse, nada da Alicinha responder. Depois de procurar a casa toda, baixou a cabeça pra dentro da casinha e lá estava eu, abraçada na Ninita. A cachorra que, de bonita, só tinha o nome. Uma brincadeira de grafia que foi se transformando: "Bonita", "Nita", "Ninita". Simples e original, como era aquela vida.
Uma vida que só experimentei até os quatro anos. Logo depois, meu pai recebeu uma oferta de trabalho e nos mudamos de Pelotas para Porto Alegre. Ao invés de pátio, um apartamento pequeno. Não havia espaço para a cancha de areia. Banho de barro era no máximo para as bonecas em um vaso de plantas. Animais? Nem pensar! E aí vocês podem pensar: pobre menina. Ao que eu respondo sem pensar: que nada!
A vida da guria de apartamento era igualmente cheia de graça. Os grandes pés da velha mesa da sala eram a divisão certinha para os quatro cômodos da casa da Barbie. O quarto pequeno proporcionava a emoção de dormir na parte de cima de um beliche. Nos finais de semana, fazíamos roda e cantávamos "ovo podre" na Redenção. Aprendi a andar de bicicleta cainda no areião do parque com a promessa de que se chegasse pedalando até o sorveteiro, ganharia o doce. O grande quintal virou a praça mais próxima. A imaginação e a vontade de proporcionar uma infância feliz aos filhos fizeram meus pais sempre se desdobrarem em criativas e divertidas ideais.
Hoje, sendo mãe de um filho de oito anos, muitas vezes me vejo relembrando esses momentos tão distintos da minha própria infância. Com a melhor das intenções, buscamos o tempo todo proporcionar a infância prefeita aos nosso pequenos e, por vezes, nos vemos culpados por não ter aquela casa com pátio grande, cancha de areia e animais, que parece tão legal. E é. Só que a infância ideal não é aquela IDEALizada, e sim a possível. E a busca por transformar cada momento em único e feliz. Seja onde for.