O título deste texto é tão estranho quanto a cena que parte da nossa equipe vivenciou aqui em Doha. Estávamos na fila do caixa eletrônico de um shopping. Todos precisávamos sacar um pouco do dinheiro local, os rials, para ter um pouco em espécie, já que alguns lugares não aceitam cartão. O Rodrigo Oliveira puxou assunto com um homem que vestia a camisa da seleção de Marrocos, uma das grandes sensações da Copa até aqui, por ter se classificado pela primeira vez para as quartas de final, representando os países africanos e o povo árabe e muçulmano.
O incansável repórter de GZH queria apenas uma frase sobre o momento do time, mas acabou recebendo um convite, estendido a todo o grupo que estava ali, para tomar um chá tipicamente marroquino na loja onde o homem é gerente. Curiosos, aceitamos na hora.
Seguimos o homem pelos corredores até chegar numa ampla loja de perfumes. No fundo do estabelecimento, poltronas confortáveis foram colocadas em torno de uma mesa baixa. Sentamos todos e imediatamente recebemos garrafinhas com água. Em seguida passou uma bandeja com tâmaras, cumprindo uma tradição que é comum por aqui de oferecer o fruto cristalizado como sinal de boas-vindas. Em seguida, xícaras transparentes com detalhes em dourado dispostas em uma bandeja em torno de um bule de prata foram servidas com um chá quente e forte, que lembrava o chá verde.
Sentados juntos à mesa, meio sem entender o motivo daquele convite tão inesperado, conversamos sobre a cultura marroquina e brasileira, sobre a Copa do Mundo, atraindo olhares dos funcionários da loja para o grupo que o gerente tinha trazido.
— Apenas para esclarecer, não temos intenção de comprar nada — explicou alguém para Khalid.
— Não precisam comprar, é apenas uma gentileza e uma forma de mostrar como recebemos as pessoas na tradição marroquina — respondeu.
E ele ainda borrifou um pouco do melhor perfume na gente, para experimentarmos. Nos distraímos na conversa entre nós e perdemos Khalid de vista. Quando o reencontramos, ele já estava conversando com outro grupo, certamente dando uma recepção parecida com a que tivemos. Acenou de longe e brincou que gostaria que nossas seleções se encontrassem na final da Copa do Mundo.
Não acontecerá. O Brasil está eliminado da Copa do Catar nas quartas de final. A dor da desclassificação fica amenizada por momentos de carinho como esse que recebemos até aqui no Catar. Que me desculpem as outras grandes seleções, mesmo sabendo que será muito difícil, pelo Khalid e por todo o povo árabe, sou Marrocos desde que nasci.
Meymar
Era esse o nome escrito atrás da camisa do menino que abanava feliz a bandeira do Brasil na entrada do Education City Stadium antes de decisão contra a Croácia. Me aproximei da família e perguntei de onde vinham. Sri Lanka. Do país ao sul da Índia para o Catar com um objetivo: torcer pelo Brasil.
— Sim, nós amamos a Seleção Brasileira, viajamos para cá para vê-los — vibraram.
O jogador preferido?
— Neymaaaar! — disseram em uníssono. Pronuncia perfeita. Sim, eles sabem o nosso craque, apesar do nome escrito diferente na camisa.
Durante o jogo fiquei imaginando se eles reclamaram como eu vendo Neymar caminhando em campo, parecendo apático, desanimado, em um jogo que era tão decisivo. E pensei também se eles tinham apoiado, aplaudido, e gritado "obrigadaaaa, Neymar!", depois, quando veio o gol marcado por ele. Sob um ídolo desse tamanho racaem todas as responsabilidades. A honra de uma grande vitória, se viesse. A culpa pela queda precoce, como aconteceu.
O Brasil está fora da Copa do Mundo do Catar, e com a saída da nossa seleção Doha perde um pouco do brilho. Quem diz isso não é só uma brasileira, são os muitos estrangeiros que apoiavam o Brasil e que vi aos prantos deixando o estádio após a nossa eliminação. Não reencontrei aquela família na saída, mas queria muito. Para agradecê-los pelo apoio ao nosso time e ao nosso principal jogador. Quando estava com eles não tive coragem de falar sobre o nome escrito "errado" na camiseta do menino. Depois, fiquei pensando que talvez o "Meymar" dos sonhos deles seja melhor do que o que vimos em campo nessa decisão.