Acompanhei a estreia da Argentina na Copa do Catar nos arredores do Estádio Lusail. Ao longe, dezenas de metros, era possível ouvir os barulhentos hermanos celebrando. E, depois, a resposta ainda mais sonora dos torcedores da Arábia Saudita, que vivenciaram, segundo eles próprios, o momento mais feliz de suas vidas, ao vencerem de virada logo na estreia uma das favoritas. Árabes que jogaram a vida para começar bem na primeira Copa em sua casa.
Hipnotizada pelo som da torcida, curtindo poder estar ali escutando aquele momento histórico, fui despertada por outro ruído, bem comum por aqui. O som melódico das mesquitas avisando que é hora da oração, que toca cinco vezes por dia. Seja onde estiverem pela cidade, os muçulmanos param e ajoelham virados na direção de Meca, a cidade sagrada da religião islâmica, para recitar versículos do Alcorão.
Em quase todos os lugares públicos por aqui existem salas de oração. Encontrei no aeroporto, no hotel, nos estádios, nos shoppings e até no banheiro.
Sim, junto ao banheiro! Ao lado das placas que indicavam masculino e feminino, uma terceira exibia uma pequena mesquita. Perguntei à atendente do que se tratava e ela explicou que era o local utilizado para orações. São salas geralmente bem silenciosas, com carpete no chão ou tapetes e almofadas espalhadas pelo piso, para que as pessoas possam demonstrar sua fé confortavelmente.
Mas naquele dia, no estádio, não havia um espaço como esse. Ao ouvir o aviso de que era momento de oração me deparei com uma cena que me impressionou. Do lado de fora do centro de imprensa, integrantes da equipe de segurança usavam pedaços de sacos plásticos para cumprir seu momento de reza.
Em um calor desértico de 34ºC, vestindo uniformes grossos, os joelhos tocavam o chão fervente. Apenas as botas pesadas haviam sido retiradas. Eles ficaram tímidos quando me aproximei, mesmo que silenciosamente. Apenas um falava um pouco de inglês e fez questão de me explicar: "praying", indicando que estavam em prece. Perguntei se estava pedindo uma vitória para a Arábia Saudita no jogo. Ele respondeu que não fazia pedidos, só agradecia.
O jogo terminou, a vitória árabe se consolidou, conversei com torcedores que saiam das arquibancadas, e quando estava deixando o local reencontrei um dos seguranças. Falei com ele, em tom de brincadeira, que teria ainda mais para agradecer na próxima reza. Ele sorriu e concordou. E eu saí com a impressão de que depois desse terceiro dia de Copa, com esse desempenho, as orações serão ainda muito importantes.
Sobe e desce de contêiner
Um raio de, no máximo, 30 quilômetros separa os oito estádios da Copa do Catar. Essa proximidade permite que no terceiro dia eu, como muitos outros visitantes, já tenha conhecido seis deles. Fica difícil escolher o mais impressionante, mas já tenho o meu preferido: o 974.
A arena que tem um número como nome. Homenagem ao código telefônico de área da região e também o número de contêineres que foram utilizados para construí-lo. São 974 blocos dispostos em uma estrutura de metal formando um estádio de futebol. De longe, eu não conseguia imaginar. De perto, não parei de me impressionar.
Praticamente todos os tão falados contêineres estão visíveis. São coloridos e de diferentes tamanhos, proporcionando um visual moderno e divertido que eu nunca tinha visto em um estádio. Até os elevadores são feitos de contêineres e é possível avistá-los subindo e descendo da estrutura, como se ela tivesse vida. Porém, ela tem tempo contado. A arena que fica na área portuária de Doha será desmontada depois da Copa. Eu já estarei de volta a Porto Alegre, mas já estou com saudade.