Messi tocou na bola 65 vezes contra a Arábia Saudita. E nos 65 toques, houve um certo frisson na fan fest montada pela prefeitura de Buenos Aires na Praça Indentendente Seeber, no boêmio bairro de Palermo. Em um desses, gritaria. Em outro, as vozes altas viraram lamúria. Na maior zebra da Copa do Mundo do Catar até agora (e um dos mais inesperados resultados da história), a derrota da Argentina para a Arábia Saudita por 2 a 1, de virada, teve no camisa 10 um protagonista. E o centro das atenções, para o bem e para o mal.
O canal TyC Sports, dono dos direitos de transmissão do Mundial, deixou uma câmera em cima de Lionel 100% do tempo. Com a bola, sem a bola, falando com o treinador, voltando do vestiário, tudo foi Messi.
E seus primeiros 45 minutos caberiam no vídeo dos sonhos. Mas antes de contar sobre isso, é preciso descrever Buenos Aires antes das 7h. Uma cidade famosa por não dormir, uma metrópole onde os bares invadem as madrugadas e as lojas abrem as portas nos primeiros raios de sol, estava em silêncio. Muitos taxistas resolveram adiar o começo das corridas. Ônibus de turismo informaram atrasos. E, pelas ruas, conforme se aproximava o horário da partida, aumentava também o fluxo de cidadãos caminhando apressadamente pelas ruas. Muitos negócios permitiram que os funcionários assistissem à estreia já dentro do ambiente de trabalho. Outros corriam para entrar nos cafés que serviriam leche, tostado e medialunas.
Pois parecia que seria uma terça-feira animada de trabalho. Porque, bem, o primeiro tempo foi quase perfeito. A Arábia Saudita parecia, mesmo, uma adversária frágil, com uma defesa quase inocente. No minuto de número um, Messi já tinha feito o goleiro salvar os oponentes. No quinto para o sexto, pênalti fora do lance, observado pelo VAR.
Alguém, aliás, estava ouvindo o jogo no rádio, na vizinhança da fan fest. Porque um segundo e meio antes de o gol aparecer no telão, veio o grito isolado. Logo depois, acompanhado pelos milhares de argentinos na Plaza Seeber. E ainda haveria mais três comemorações, desta vez sem ninguém antecipar. Nem o gol nem a anulação. Em uma delas, a primeira de Lautaro, um torcedor se desesperou:
— Estava habilitado, estava habilitado!
O vídeo detalhado, em 3D, semiautomático, mostrou que Lautaro estava poucos centímetros adiantado. Por um ombro. Por una cabeza, como canta o tango. Os argentinos também amaldiçoaram o VAR depois da invalidação.
No intervalo, tudo o que se ouvia era confiança. O torcedor Andy Perdighero disse:
— Fomos muito bem, tivemos um gol. Precisamos fazer mais um para ficar totalmente tranquilos.
Os torcedores recém estavam se recolocando em frente ao telão para a segunda etapa quando veio o golpe. Aos três minutos, o empate da Arábia Saudita deixou a todos assustados. A virada, em cinco, foi um choque. Os torcedores não sabiam se roíam unhas ou se batiam palmas.
Houve uma reação quando Julián Álvarez, ídolo do River Plate, atualmente no Manchester City, foi chamado. E o grito de gol ficou preso na garganta quando Messi apareceu sozinho e, de cabeça, concluiu fraco, permitindo que o goleiro Al Owais defendesse sem dar rebote.
O tempo passava e o desespero aumentava. Em campo, o time parecia congelado. Na fan fest, a torcida só se animava quando o camisa 10 tinha a bola.
As chances perdidas por Álvarez, Di María e Messi foram o complemento de uma manhã que tinha tudo para ser linda, com sol, calor, vitória e shows na praça. A derrota transformou a terça-feira em um dia de calorão, engarrafamento, atraso no trabalho e mau humor. Até as apresentações foram canceladas.
O dia passou, o outro jogo do grupo, Polônia x México, terminou empatado, e os argentinos foram recuperando o otimismo. Vanessa Godoy, uma das poucas que permaneceram na praça após a derrota, falou:
— Ainda temos esperança. Foi só o primeiro jogo. Vamos nos recuperar.
O discurso foi endossado por Marcelo Bueno:
— Estamos frustrados, esperávamos começar ganhando. Mas podemos ganhar de México e Polônia e recomeçar a Copa do Mundo. Vocês sabem que daí é um novo início.
Pois só faltou uma rosa na boca. Os passos, a tristeza, o baile e a dor deram toda pinta de tango à estreia da Argentina.
Messi, agora, terá de correr ainda mais para impedir que a primeira fase de um grupo considerado fácil, fácil seja o último tango.