Meu avô Bastos, o pai da minha mãe, era um homem que podemos chamar de "acima do peso". Ou, pelo menos, foi no tempo em que convivi com ele. Caixeiro viajante, rodava estradas por todo o Rio Grande fazendo vendas. Certa vez, sofreu um acidente em que o carro que ele dirigia ficou preso entre dois caminhões. Para a sorte do meu avô, ele teve "apenas" uma perna muito machucada. Fez uma série de cirurgias e, desde aquele dia, passou a mancar e usar muletas.
Carregar o peso do corpo com aquela limitação física não era fácil, mas ele conseguia. Não podia continuar trabalhando, mas dedicava-se a pequenas tarefas, como levar meu irmão e eu, ainda crianças, para cima e para baixo nas aulas de balé e futebol.
Um dia, uma faxineira da casa dos meus avós encerou o chão e colocou um tapete na porta do quarto dele para enfeitar. Meu avô não viu e tomou um tombo que o deixou definitivamente sem poder andar. Foram 12 anos sem se levantar da cama para absolutamente nada. Do banho às necessidades fisiológicas, ele fazia absolutamente tudo deitado.
Tivemos de contratar a ajuda de enfermeiros que passaram a fazer parte da rotina da nossa família. Quando alguém casava ou se formava, em alguma data especial, enfim, sempre passava no quarto do vô Bastos para dar um beijo, receber a bênção. Era o nosso jeito de fazê-lo se sentir parte e também de nos conectarmos a ele.
Quando tento compreender como ele conseguiu passar mais de meia década deitado em uma cama, só uma explicação me vem à mente. Meu avô era acima do peso, sim, mas, mais do que isso, ele era grande. Era gigante. O coração dele transcendia aquele espaço de dois por dois metros quadrados do quarto que ele ocupava.
A cabeça dele era absolutamente lúcida e atenta, como se tivesse muito mais vivência diária do que a companhia fiel da televisão (ah, como eu queria que ele tivesse me visto na TV). A resiliência de suportar todo esse tempo na cama fala de alguém que tinha grandeza no tamanho da alma. Parecido com alguém com quem tenho tido o prazer de conviver ainda mais intensamente nos últimos meses.
O "Gigante das Arquibancadas", chamavam os torcedores quando ele era repórter de torcida. "Um abraço gigante", diz ele ao finalizar as transmissões de futebol na RBS TV. E eu poderia dizer que o Lucianinho Périco tem o coração ainda maior do que aquele corpão gigantesco, mas seria um lugar comum. Todo mundo que convive com ele sabe dessa gentileza, desse jeito preocupado e carinhoso dele com as pessoas. Eu quero falar do Lucianinho que ergue quem está ao lado.
Desde que começamos a trajetória do reality de saúde Caminhos para a Vitória, na PUCRS, o Lucianinho segurou na minha mão e não soltou mais. Ele celebra, de verdade, cada uma das minhas pequenas conquistas. E, principalmente, ele me acalma quando bate a ansiedade por não ter atingido alguma meta. Ele transforma fracasso em oportunidade de melhorar, erro em diversão, e, assim, vai me levantando quando caio. Tem sido rotina no dia a dia de treinos na academia e é assim sempre no trabalho.
Vou contar um segredo para vocês: eu morria de medo de entrar ao vivo na Rádio Gaúcha. E estou sendo ousada em colocar essa frase no passado porque esse sentimento ainda segue em muitos momentos. Acostumada em trabalhar em TV, a rádio me deixava muito insegura.
Até que na primeira oportunidade de apresentar um programa fixo, o Gaúcha na Copa, direto da Rússia, em 2018, tive a sorte de ter como dupla na apresentação o Lucianinho Périco. Com ele, não tem ruim. Eu me sentia absolutamente segura e à vontade. Até porque, se falasse alguma besteira, sabia que poderia contar com o bom humor, a descontração, a "cancha" dele para me salvar.
Nessa semana, às vésperas de encerrarmos essa linda trajetória de Caminhos, fiz essa relação entre o Lucianinho e o meu avô. Dois homens que conviveram e convivem com a questão do peso. E, sim, esse aspecto físico poderia ser o motivador do meu pensamento. Mas liguei os dois por outro motivo: uma foto antiga que o Martin encontrou. Ela mostra uma pirâmide humana formada por cinco homens na beira da praia, três embaixo, dois em cima. Meu avô, ainda jovem e com as duas pernas funcionando muito bem, está exatamente no meio. Ele é o centro da força. Segura toda a estrutura.
Olhei paro o vô Bastos na foto e enxerguei o Lucianinho ali. E me vi como os amigos que estão apoiados nos ombros dele, seguros, porque sabem que, com ele ali, não vão cair. É assim que me sinto com o senhor Périco nessa vivência de Caminhos e em tantos outros trabalhos. Pessoas como o Lucianinho, como o meu avô, merecem amor e reconhecimento do tamanho deles. Eu só agradeço pelo privilégio de poder escrever para dizer um enorme obrigada. Não é sobre ser grande apenas, é sobre ser gigante.