Corri uma distância maior do que o caminho entre os shoppings Praia de Belas e Iguatemi. Corri mais do que o trajeto de quem sai do museu Iberê Camargo e vai até a rodoviária de Porto Alegre. Corri um itinerário mais longo do que aquele que separa o Gasômetro do Aeroporto Salgado Filho.
Pesquisei o que os 10km, que corri pela primeira vez na vida no último domingo, dia 10, representariam em caminhos no cotidiano da cidade. Trouxe três exemplos de trechos comuns que dão ideia da enormidade dessa distância.
É pouco perto dos mais de 42 km de uma maratona completa, mas muito, muito mesmo, para quem nunca imaginou que conseguiria ficar correndo por mais de uma hora sem parar.
Quando veio o convite para participar de uma prova de revezamento, com quatro pessoas, respondi: “eu vou!”. Empolgada. Só não perguntei qual seria a distância a percorrer. Quando soube que seriam 10 mil metros, pensei em desistir. Meu treinador no Centro Esportivo da PUCRS, Diego Paixão, disse que daria certo. E eu acreditei.
Segui à risca as orientações dele e fui me preparando aos poucos. Consegui fazer dois treinos longos nos finais de semana anteriores à prova: 8, 9 quilômetros. Ainda não os 10. Mas, pelos testes, já sabia a velocidade média que eu precisava manter para conseguir chegar até o fim. Dizem que a corrida de rua não é feita para os mais rápidos, mas para aqueles que seguem correndo. Era preciso encontrar o meu ritmo e só seguir. Esse era o grande objetivo: conseguir correr o tempo todo.
O problema para cumprir o planejamento foi que na largada, em meio àquelas centenas de corredores em um ritmo mais acelerado, me empolguei. Corri o primeiro quilometro muito mais rápido do que deveria. O relógio dizia que meu pace, a medida de minutos por quilometro, estava mais baixo do que aquele que treinei. Precisava desacelerar. Segurei o ritmo, e, com isso, fui vendo muita gente me ultrapassar.
Na pista ao lado, alguns participantes já voltavam. No contrafluxo, via os sorrisos da largada sendo substituídos por caretas de dor, cansaço. Alguns bons metros na minha frente, só enxergava as costas de uma senhora na casa dos 60 anos, imagino, em suas passadas curtinhas e arrastadas, porém, constantes.
Não ouvia mais passos atrás de mim. Estaria eu em último lugar? Foi a pergunta que veio à minha mente. Passou uma moto da organização para verificar a situação dos participantes. E se eu estiver em último? A cabeça não parava de pensar nisso. O vento suave do Guaíba tocou meu rosto.
E se eu estiver mesmo na última colocação? Valeria a pena caminhar, então? Quando a discussão mental começou a acirrar, o ponto final veio tão claro quanto o sol que começava a brilhar no amanhecer daquele domingo: mesmo que chegue em último, já venci.
“Vitoriosas e furiosas” é o nome do grupo do WhatsApp que nosso quarteto do revezamento criou para combinar os detalhes da prova. Se não fosse na força do amor, seria na força da fúria que completaríamos a corrida. Ou em qualquer outro tipo de força porque disso a gente entende. O maior dos desafios todas já vencemos: superamos o câncer de mama.
Conheci minhas três companheiras de corrida nas gravações da série “Vitórias”, exibida durante o outubro rosa do ano passado no Globo Esporte e, desde então, tornamo-nos amigas. As gurias nem sabem, mas me fazem cruzar inúmeras linhas de chegada imaginárias todos os dias através dos exemplos de cada uma.
Com a Fernanda, aprendo sobre delicadeza, tranquilidade e alimentação. Ela se tornou minha nutricionista. A Mariane me ensina sobre energia, transformação, auto confiança. E a Cláudia é uma aula constante de resiliência. Ela tem um câncer metastático, ou seja, os tumores seguem no corpo, ainda que controlados. Convive com a doença e vive intensamente apesar dela.
Já não havia intensidade nos meus passos quando ouvi os alto-falantes, um indicativo de que me aproximava da chegada. Tocava um samba: “quando as minhas pernas não puderem aguentar, levar meu corpo junto com meu samba, o meu anel de bamba entrego a quem mereça usar”.
O trecho de “Não Deixa o Samba Morrer”, de Edson Conceição e Aloisio Silva Araújo, interpretado por Alcione, pareceu ter sido especialmente escolhido para aquele momento. Minhas pernas já cansadas seguiam e meu olhar visualizava uma Mari saltitante de braços levantados à minha espera.
Não entreguei um anel de bamba, mas uma pulseira do revezamento para alguém que merecia muito percorrer seus próprios dez quilômetros. A Mari passou pra Fê que, depois, passou para a Cláudia. E juntas, somadas, completamos uma maratona inteirinha.
E juntas, somadas, sei que podemos absolutamente tudo. Porque se “o morro foi feito de samba pra gente sambar”, a vida é feita de muitos quilômetros que ainda vamos percorrer. Juntas, somadas.