No Rio Grande do Sul, o cultivo da uva segue o modelo tradicional, a videira é podada em agosto, brota em setembro, floresce em outubro, forma cacho em novembro e inicia a maturação em dezembro. A colheita fica para janeiro e fevereiro, no máximo, março. Mas há vinícolas no país que fazem o processo inverso. O ciclo tem a poda em janeiro, florada em fevereiro, formação do cacho em março e início de maturação em abril. No inverno, outra poda é realizada. A colheita ocorre entre o fim de maio e início de agosto. Apesar de adotarem cultivos invertidos, nos dois casos o Brasil tem gerado vinhos premiados.
Na cidade cafeeira de Boa Esperança, no sul de Minas Gerais, por exemplo, nunca havia sido plantada uma parreira. A família de Eduardo Junqueira Nogueira Junior mudou o cenário ao iniciar produção de seu próprio vinho há 13 anos. A Maria Maria, vinícola dos Junqueira Nogueira, tem 20 hectares. Pouco, se comparado aos cerca de 3 mil hectares destinados a cereais e café, mas muito em relação aos cinco hectares plantados há 10 anos.
— É difícil fazer vinho ruim com uva boa. Já para fazer vinho bom com uva ruim o enólogo terá muito trabalho. O que apostamos é na qualidade do solo, na altitude e na redução de químicos nas lavouras — detalha o engenheiro agrônomo Eduardo Junqueira Nogueira Neto, diretor da vinícola.
Os 950m de altitude e o solo vermelho argiloso geraram o Syrah Gran Reserva Cristina, premiado pouco depois de entrar no mercado.
O caso de Minas não é único. Em São Paulo, vinícolas adotaram a dupla poda, transferindo a colheita do verão, como tradicionalmente ocorre, para o inverno.
A alteração, aliada à amplitude térmica (diferença entre temperatura mínima e máxima do dia), tipo de solo e manejo, fez com que jovens vinícolas que entraram no mercado há menos de uma década passassem a colecionar prêmios e ampliassem suas produções — ainda que com números distantes das grandes marcas do país, como a Miolo, que soma 10 milhões de litros por ano.
Em defesa da técnica
No país há 400 hectares de área cultivada com vinhedos usando a técnica no Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. Colhendo no inverno, o período de maturação da uva ocorre em dias ensolarados, com noites frescas e solo relativamente seco, cenário apontado por pesquisadores como fundamental para o perfeito amadurecimento das uvas e a qualidade dos vinhos. Rótulos produzidos assim chegam a custar mais de R$ 300.
Seguindo a fórmula, a Guaspari passou a produzir uvas em 2006 no solo granítico da fazenda em Espírito Santo do Pinhal (SP), que remete à região do Vale do Rhône (França) na altitude de 850m a 1.300m e na amplitude térmica que chega a 20ºC. Os 50 hectares com nove tipos de uvas, como syrah, cabernet sauvignon e viognier, estão divididos em 12 lotes, criando miniterroirs com o microclima de cada área.
Em cinco anos de atividades, a Guaspari coleciona uma dezena de prêmios, como a medalha de ouro por dois anos seguidos no britânico Decanter World Wine Awards. A premiação de um vinho com pouco mais de um ano de mercado acelerou os processos na vinícola, diz Fabrizia Gennari Zucherato, diretora-executiva da Guaspari, que produz de 150 mil a 180 mil garrafas anuais.
Outra vinícola a adotar o sistema foi a paulista Verrone, de Itobi, que plantou uvas em 2009, mas entrou no mercado só em 2016. Com três meses, recebeu prêmio pelo chardonnay. Hoje, já são mais de 20, conta o diretor da empresa, Márcio Vedovato Verrone. A vinícola produz 50 mil garrafas anuais em 13 hectares, com destaque para o sauvignon blanc.
— Fui convencido pelas condições climáticas da região. É um método mais caro, exige duas intervenções na uva, mas o resultado é ótimo — afirma.
O clima e o consumidor decidem
Para Deunir Argenta, presidente da União Brasileira de Vitivinicultura (Uvibra), não há método melhor ou pior. No Rio Grande do Sul, o sistema invertido não daria certo por causa do clima — se fosse colhida no inverno, a uva correria o risco de não maturar por falta de insolação. Ao mesmo tempo, o método funciona em outras regiões justamente porque o clima assim permite.
— Em Petrolina (PE), trabalham 100% com irrigação, passam 365 dias colhendo e podando. Em Minas Gerais, conseguem fazer até duas safras por ano. São coisas que não temos como fazer no Rio Grande do Sul porque o clima é totalmente diverso. Os vinhos da Serra e da Campanha têm gostos diferentes. Quem vai dizer qual é melhor ou pior é o consumidor — explica.
O custo da técnica invertida é mais alto, mas a avaliação é que o mecanismo se paga com a qualidade. O empresário Luis Roberto Lorenzato, da Marchesi di Ivrea, em Ituverava (SP), disse que a colheita em julho gera uma uva saudável, seca e boa para a produção de vinhos de qualidade. O calor da região na maior parte do ano não é um empecilho para a produção de uvas italianas, como a sangiovese, em seus 12 hectares, garante.
— A Itália tem cidades em que a temperatura vai a 50ºC, como Bologna. A uva gosta de calor, também — avalia.
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