O cultivo de alimentos orgânicos ganha cada vez mais espaço no país e expande o mercado em ritmo acelerado. Segundo o Conselho Brasileiro da Produção Orgânica e Sustentável (Organis), o volume produzido cresce, em média, 15% ao ano no Brasil e, em 2019, movimentou R$ 4,5 bilhões.
O diretor-executivo do Organis, Clauber Cobi Cruz, admite que os números poderiam ser ainda maiores, caso a crise não tivesse atingido em cheio o país nos últimos anos. Mesmo assim, 2019 ficou marcado como um período importante para a consolidação do setor.
— Foi um ano em que ganharam vida própria. Rompemos a barreira de 20 mil unidades produtivas e o varejo entendeu a importância do orgânico no portfólio dos saudáveis — observa Cruz.
O Rio Grande do Sul segue o movimento nacional. Segundo o Ministério da Agricultura, 4,1 mil das 27,9 mil unidades de produção de orgânicos do Brasil estão em território gaúcho. O Estado ainda tem 3,3 mil dos 22 mil produtores brasileiros certificados. Nos últimos sete anos, a expansão chega a 183% no número de unidades e 280% no de agricultores registrados.
A Serra é uma das regiões onde o cultivo mais avança em solo gaúcho. Dados do Centro Ecológico de Ipê indicam que 47 dos 49 municípios serranos estão envolvidos com produção de orgânicos, em mais de 400 propriedades certificadas.
— Não tem como fugir da onda de consumo que está vindo por aí e que aumenta a cada ano — aponta o consultor do Centro Leandro Venturin.
Mesmo assim, a produção ainda não atende à demanda. A Cooperativa de Agricultores e Agroindústrias de Caxias (CAAF), por exemplo, pretende inserir os orgânicos na alimentação das escolas, mas ainda não consegue ofertar volume de alimentos suficiente no mercado.
Cultivar orgânicos não é mais uma questão de se aventurar, pelo contrário. Hoje, basta o agricultor convencional tomar a iniciativa.
ARI URIARTT
Engenheiro agrônomo da Emater-RS
— O desafio está em convencer o agricultor a fazer a reversão da produção convencional —avalia Marcos Regelin, gerente da cooperativa.
O engenheiro agrônomo da Emater-RS Ari Uriartt ressalta que arroz, citros e uva são exemplos de culturas avançadas no Rio Grande do Sul em relação ao plantio orgânico. O especialista destaca que, com o passar do tempo, o processo de conversão nas propriedades se tornou mais acessível.
— A tecnologia hoje está dominada, existem sistemas de produção reconhecidos e validados por instituições de pesquisas. Cultivar orgânicos não é mais uma questão de se aventurar, pelo contrário. Hoje, basta o agricultor convencional tomar a iniciativa — salienta Uriartt.
Uva é a cultura mais plantada na Serra
Dos mais de 1,1 mil hectares de área de orgânicos plantados na Serra, principal região vitivinícola gaúcha, 914 são de videiras. O produtor de Caxias do Sul Antônio Rossi, 57 anos, foi pioneiro no cultivo de uva sem agrotóxicos. Começou a reversão do parreiral em 1997 com meio hectare de plantio. Hoje, com quatro hectares de videiras cobertas, suas uvas são um sucesso. A venda da safra deste ano está garantida.
— Se tivesse mais uva, venderia tudo também — garante Rossi.
Ele lembra que os primeiros 10 anos foram muito difíceis:
— Poucos entendiam a diferença entre orgânico e convencional.
A insistência e a vontade de produzir sem contato com químicos prevaleceram. Com previsão de colher 80 toneladas, boa parte da uva vai para Santa Catarina e São Paulo. O resto segue para os mercados da região serrana.
O valor do quilo fica entre R$ 6 e R$ 7. Nas gôndolas, passa de R$ 10. O alto preço pago pelo consumidor final ainda é um entrave para o setor deslanchar. Se comparado com os alimentos convencionais, a diferença pode chegar a 40%.
Com previsão de entrada de grandes empresas na produção de orgânicos, custo tende a cair.
LEANDRO VENTURIN
Consultor do Centro Ecológico de Ipê
— Com previsão de entrada de grandes empresas na produção de orgânicos, custo tende a cair — prevê Venturin.
Mesmo assim, quem consome não costuma reclamar do preço.
— É um investimento na saúde — afirma Rossi.
O gosto pelos orgânicos e a confiança de que o setor só vai crescer fazem a família Rossi diversificar a produção. Os agricultores também plantam batata inglesa e feijão. Tudo sem agrotóxico.
— Vamos ampliar ainda mais, pois o retorno é garantido. Não é fácil, mas aqui não entra qualquer tipo de pesticida — ressalta o produtor.
Plantio vai além das culturas tradicionais
A produção gaúcha de orgânicos vai muito além das frutas e hortaliças tradicionais. Novas culturas vêm se tornando alternativa para os agricultores do Estado. É o caso do casal Pedro Rodrigues dos Santos, 60, e Eunice Angelina Pagnonceli, 68, pioneiros na produção de mirtilos sem agrotóxicos em Caxias do Sul.
Em sua propriedade, na Ala Direita da Linha Feijó, interior do município, eles cultivam um hectare da pequena fruta, considerada uma aliada no combate a doenças. O alimento estimula a circulação sanguínea, ajuda a prevenir infecções urinárias, de laringe e boca e evita a formação de glaucoma.
Santos e Eunice plantaram as primeiras mudas de mirtilo em 2008. Desde então, a paixão pela fruta só cresceu. O agricultor prepara a terra, planta, poda e colhe. O prazer pelo trabalho é percebido na forma como apanha as pequeninas frutas. Ele separa delicadamente cada uma e as coloca na cesta sem machucá-las.
— É preciso amor e muita paciência — conta, sem reclamar do sol escaldante que torna a tarefa difícil.
É preciso estudar a planta, entender o que ela precisa, impedir que as pragas cheguem. Tudo isso sem veneno. Não é um trabalho fácil. Tem de gostar.
EUNICE ANGELINA PAGNONCELI
Agricultora
Enquanto Santos cuida da plantação, Eunice criou a empresa Cia do Mirtilo, para comercializar a fruta e o suco. No ano passado, a colheita rendeu em torno de 3 mil quilos. Neste ano, por conta do clima adverso, deve ficar em 1,5 mil quilos. O preço de venda da fruta vale o investimento: cerca de R$ 37 o quilo.
A mão de obra é um dos entraves para produzir mais. A atividade exige esforço, principalmente na colheita.
— Conseguir pessoas qualificadas para a tarefa é difícil — justifica Eunice.
Ela busca constantemente novos conhecimentos sobre o cultivo e aplica na propriedade.
— É preciso estudar a planta, entender o que ela precisa, impedir que as pragas cheguem. Tudo isso sem veneno. Não é um trabalho fácil. Tem de gostar — explica Eunice.
Não à toa, a Cia do Mirtilo tem a chamada Certificação Participativa, reconhecida pela Rede Ecovida de Agroecologia e que atesta a qualidade e a confiabilidade do produto orgânico. Para quem pretende produzir mirtilo, o investimento inicial para o cultivo de um hectare gira em torno de R$ 50 mil.
Orgânicos representam 1,5% do faturamento de supermercados
Nas gôndolas dos supermercados gaúchos, os orgânicos representam 1,5% das vendas, de acordo com pesquisa da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas) com dados referentes a 2018. No ano anterior, a proporção era de 1,4%. Ainda que o movimento seja modesto, o setor enxerga grande potencial nesse tipo de alimento.
— O aumento nas vendas de orgânicos está ligado diretamente ao aumento de renda da população. Hoje, eles custam mais e o cliente ainda está atrás do melhor preço. Mas existe, sim, uma tendência de crescimento — analisa Antônio Cesa Longo, presidente da Agas.
Neste contexto, um dos principais desafios é a popularização dos produtos. Pesquisa da Organis revela que 43% dos brasileiros apontaram o valor pago como o principal motivo para não comprar orgânicos. O levantamento detectou que o valor médio gasto por mês na aquisição de alimentos perecíveis é de R$ 400 entre os compradores de orgânicos e de R$ 340 entre os que não consomem esses produtos.
Geralmente, os alimentos sem agrotóxicos saem cerca de 30% mais caros que os convencionais nas gôndolas, mas podem chegar a 50%. Ao mesmo tempo em que o preço pode ser um entrave, há interesse do público. Segundo os dados da Organis, 67% dos brasileiros afirmaram estar dispostos ou muito dispostos a aumentar o consumo de orgânicos.