O Rio Grande do Sul está prestes a perder, ao menos temporariamente, seu principal comprador interestadual de bovinos vivos. Quando o Ministério da Agricultura der o aval para que o Paraná deixe de vacinar o rebanho contra a febre aftosa, o que deve ocorrer até 31 de outubro, não poderá mais adquirir gado das propriedades de Estados que ainda imunizam os animais como forma de prevenção, caso do RS. Enquanto a porteira não fecha, os paranaenses aproveitam os últimos dias para intensificar a compra de reprodutores. A partir da mudança, apenas material genético poderá circular livremente para aquele Estado.
Segundo dados do Departamento de Defesa Agropecuária da Secretaria da Agricultura, os gaúchos já enviaram 2.390 animais para reprodução para o Paraná entre janeiro e setembro deste ano, o que representa quase metade do comercializado no país.
Ainda que os paranaenses habitualmente sejam os principais compradores, neste ano o volume de vendas deu um salto e, apenas nos primeiros nove meses, já superou todos os negócios realizados nas últimas três temporadas.
Um dos termômetros do interesse dos vizinhos sulistas está na temporada de remates e feiras de primavera, iniciada em setembro e que se estende até o início de novembro. Em um dos maiores leilões realizados até o momento em 2019, o da GAP Genética, de Uruguaiana, os paranaenses arremataram em torno de 20% dos 584 bovinos colocados em pista. No entanto, o diretor comercial da GAP, João Paulo Schneider, lembra que a procura começou antes mesmo do evento.
– O Paraná teve uma venda maior neste ano, tendo em vista o processo que está em andamento (retirada da vacina). Praticamente a mesma quantidade de vendas do leilão para lá, a gente fez de venda particular. Assim que passou a Expointer, começamos a receber pedidos – relata Schneider.
O diretor da Trajano Silva Remates, Marcelo Silva, explica que a expansão na participação dos compradores paranaenses nos leilões começou modesta na temporada, mas vem se intensificando. Nos eventos que já conduziu nesta primavera, Silva calcula que o Paraná respondeu por 13% das vendas, contra 10% no ano passado. Segundo o leiloeiro, o desempenho vem sendo puxado pela demanda por animais das raças braford e angus.
– Muito comprador do Paraná tirou o pé do acelerador em setembro, pois achava que a divisa já fecharia naquele mês – explica –, detalhando que o Estado da região Sul deverá parar de imunizar em novembro, o que estimula novos negócios nessa etapa final.
Expectativa de incremento de negócios na temporada
A perspectiva dos últimos leilões com participação dos paranaenses e a retomada no interesse pelo investimento em pecuária verificado no Rio Grande do Sul e em outros Estados devem fazer com que a temporada de remates de primavera tenha incremento nos negócios. Em 2018, foram comercializados 3,7 mil touros e 3,9 mil fêmeas, movimentando R$ 48,2 milhões. Este ano, o vice-presidente do Sindicato dos Leiloeiros Rurais e Empresas de Leilão Rural do Rio Grande do Sul (Sindler-RS), Enio Dias Santos, prevê elevação de 15% nas médias, principalmente em razão da valorização das raças sintéticas – brangus e braford. Já as raças puras – como angus e hereford – têm mantido ou, em alguns remates da temporada, até reduzido os valores na comparação com o ano passado.
– A demanda por sintéticos ocorre porque são mais resistentes aos carrapatos. Com eles, muitos produtores reduzem o impacto do problema (ácaro) no rebanho – explica Santos.
Outro aspecto que os leiloeiros notam em uma série de remates é a diminuição do número de fêmeas disponíveis para venda. Isso pode indicar que os criadores gaúchos estão retendo matrizes pensando na possibilidade de ampliação do plantel.
Cabanha paranaense incrementou rebanho
Há uma década, o pecuarista paranaense Cláudio Marques de Azevedo vem ao Rio Grande do Sul buscar genética. Em 2018, comprou 24 exemplares angus para reforçar o plantel de sua propriedade em Guarapuava, no Centro-Sul. Neste ano, ao saber que só poderia trazer animais vacinados até 31 de outubro, intensificou as aquisições. Arrematou 26 animais em leilão, sendo a maioria fêmeas prenhas, e comprou 40 touros diretamente de cabanhas gaúchas.
– Estamos buscando nos precaver desse fechamento da ‘fronteira’ com o Rio Grande do Sul. Sempre buscamos genética angus gaúcha – ressalta.
Voltado à criação de gado de corte, Azevedo tem mais de 1,1 mil cabeças angus. Até o final de outubro, pretende participar de novos leilões. O pecuarista acredita que o fechamento do mercado gaúcho será temporário, mas deve impactar no curto prazo, já que a oferta de genética ficará mais restrita.
Depois de Santa Catarina, o Paraná deve se tornar a segunda unidade da federação com status de área livre de febre aftosa sem vacinação. O coordenador do programa de febre aftosa da Agência de Defesa Agropecuária do Paraná (Adapar), Walter Carvalho, diz que o Estado aguarda a publicação de ato normativo do Ministério da Agricultura que, após, fará a solicitação junto à Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). A expectativa é que a OIE chancele o status de área livre de aftosa sem vacinação em maio de 2021.
– A partir da data estabelecida pelo Ministério da Agricultura, não entrarão animais vivos de Estados que continuam fazendo a vacinação. O trânsito será permitido, pois haverá maior vigilância (corredor sanitário) – explica Carvalho.
Para monitorar o rebanho e o trânsito de animais de outros Estados que manterão a imunização, caso do RS, a Adapar está reforçando a equipe.
Pressão para RS seguir passos dos vizinhos
Assim que o novo status sanitário do Paraná entrar em vigor, o isolamento do Rio Grande do Sul do restante do Brasil aumentará. Isso porque ocorrerá o prolongamento do corredor sanitário que já existe em Santa Catarina. Ou seja, uma carga gaúcha transportada por terra com destino ao Sudeste ou ao Centro-Oeste, por exemplo, será monitorada por fiscais catarinenses e paranaenses e terá um tempo máximo para o trânsito. Além disso, sob nenhuma hipótese os animais vacinados poderão ser retirados do caminhão durante o trajeto.
O superintendente do Ministério da Agricultura no Rio Grande do Sul, Bernardo Todeschini, explica que os corredores sanitários geralmente são formados ao longo das principais rodovias de ligação entre os Estados. Hoje, na entrada e na saída do território catarinense há postos de registro de ingresso e de retirada dos animais. Em breve, o procedimento será adotado no Paraná.
– O avanço sanitário de um Estado gera empecilhos e estimula os outros a também seguirem esse caminho. Não tenho a menor dúvida de que o Rio Grande do Sul está ficando mais pressionado (para também retirar a vacina) – aponta Todeschini.
Recentemente, o sistema sanitário do Estado passou por inspeção do Ministério da Agricultura, que irá sinalizar se é possível ou não avançar no fim da vacinação. O tema, porém, gera debates acalorados entre os pecuaristas locais, que se dividem entre a manutenção e a suspensão.
– Essa discussão não é fácil. Os prós e contras pesam dos dois lados. E, para quem trabalha com alta genética, que é o caso gaúcho, o risco da aftosa assusta muito – diz Francisco Schardong, diretor administrativo da Federação da Agricultura do Estado (Farsul).
Após a divulgação do parecer do ministério, a discussão deve ser aprofundada. A Farsul pretende ouvir a posição dos sindicatos rurais. Já o governo do Estado quer realizar debates públicos com entidades do setor para decidir se solicita a alteração de status sanitário.
Estratégia para suprir perda do mercado
Ao mesmo tempo em que veem oportunidade de lucro extra em 2019 por conta da movimentação atípica de compradores paranaenses, cabanhas do Estado já começam a analisar como atenuar a perda de compradores para os leilões a partir de 2020.
– O Paraná é importante, mas continuaremos vendendo para São Paulo, Mato Grosso e Rio Grande do Sul. Daqui a 12 ou 18 meses (com a possibilidade de retirada de vacina contra aftosa no RS) podemos equalizar o status com eles e Santa Catarina – aponta Reynaldo Salvador, gestor da Cia. Azul, de Uruguaiana.
A cabanha foi uma das promotoras do leilão Selo Racial, em setembro, ao lado de outros quatro criatórios, quando 10% das vendas tiveram como destino o Paraná. Salvador espera que o peso dos paranaenses seja maior no próximo remate da Cia. Azul, o Sem Fronteiras, nos próximos dias.
Sócio da FF Velloso & Dimas Rocha Assessoria Agropecuária, Fernando Velloso avalia que o fechamento do mercado impactará principalmente os grandes leilões, que tinham clientes paranaenses de longa data.
– A saída do Paraná traz um impacto negativo para os próximos anos, mas de pequena relevância. A venda interestadual é um complemento para o Rio Grande do Sul, pois o grande volume das vendas dos reprodutores é para o público interno – constata.
Para Velloso, a tendência é de rearranjo da oferta de animais nos leilões a partir de 2020 e que São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul assumam parte da lacuna deixada pelo Paraná.