Ainda que se perceba sinais de reação do mercado, não há como negar que o Brasil atravessa severa crise econômica iniciada em 2014, com forte retração do Produto Interno Bruto (PIB) nos anos de 2015 e 2016 e ínfimo crescimento nos anos subsequentes. As consequências econômicas e sociais não podem ser desconsideradas e atingem praticamente todos os setores produtivos, inclusive o agronegócio, que é responsável por quase 30% do PIB nacional.
A exploração da atividade agrícola, não raras vezes, é exercida por pequenos núcleos familiares, sem registro na junta comercial, que, em consequência disso, não atuam, à luz do que dispõe o código civil, sob a condição de empresa ou empresários. Inicialmente, pode parecer irrelevante a constatação, mas fato é que, diferentemente do que ocorre com quem atua no agronegócio na condição de empresa, os produtores rurais pessoas físicas, mesmo atravessando dificuldades financeiras, não poderiam, em tese, lançar mão do remédio da recuperação judicial para sua reorganização e preservação de sua função social. Isso porque a lei exige como condição, justamente, o exercício da atividade regular como empresário e por prazo superior a dois anos, cuja declaração se obtém com a inscrição na junta comercial.
A discussão acerca da possibilidade de produtores rurais valerem-se do remédio da recuperação judicial gerou grandes controvérsias entre produtores e credores, magistrados e advogados. Recentemente, por conta da evolução de precedentes proferidos pelos maiores tribunais do país, tem-se consolidado o entendimento favorável aos produtores rurais no sentido de ser reconhecido o direito à recuperação, ainda que não se tenha o registro de empresário por mais de dois anos.
O setor clama por solução que traga segurança jurídica e que possibilite, de maneira isonômica a todos que exercem atividade empresarial regular, formas legais de superar a situação de crise.
Ainda mais recente, e também em sentido favorável aos produtores, foram aprovados, na 3ª Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal, em junho, em Brasília, os enunciados 96 e 97, que tratam do tema. O setor clama por solução que traga segurança jurídica e que possibilite, de maneira isonômica a todos que exercem atividade empresarial regular, formas legais de superar a situação de crise, sendo, portanto, muito oportuno o surgimento dos enunciados e de grande relevância aos futuros julgados sobre a matéria.
Guilherme Caprara
Advogado, especialista em recuperação judicial