Debruçados por mais de 20 anos no desenvolvimento de uma vacina contra o carrapato bovino, um dos principais problemas da pecuária brasileira, um grupo de pesquisa do Centro de Biotecnologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) chegou à fase derradeira do projeto: os testes de viabilidade comercial. Justamente agora, os pesquisadores não estão conseguindo fazer os experimentos a campo. Faltam recursos públicos.
– Foram 25 anos de trabalho para chegarmos a um produto, único no mundo – diz Itabajara Vaz, professor do Laboratório de Imunologia Aplicada à Sanidade Animal da UFRGS.
A única vacina contra a praga disponível no mercado hoje é fabricada em Cuba e não é adaptada à realidade brasileira, explica o professor. A substância desenvolvida no Rio Grande do Sul poderá ter impacto na produção pecuária da África, da Austrália e da América do Sul – com climas tropicais semelhantes ao do Brasil.
A vacina contra o carrapato bovino é uma entre milhares de pesquisas brasileiras que vêm sofrendo com cortes sucessivos de verbas do governo voltado à ciência e tecnologia no país. Embora a redução no volume de recursos é sentida desde o final de 2014, a diminuição drástica de verbas para todas as áreas do conhecimento ocorreu neste ano.
– Tivemos um corte de 40% no orçamento de custeio e investimento neste ano, na comparação com 2014 – confirma o reitor da UFRGS, Rui Vicente Oppermann.
O orçamento para custeio e investimento de toda a universidade caiu de R$ 193 milhões em 2016 para R$ 158 milhões neste ano, dos quais apenas 77% foram liberados até agora. Com menos dinheiro, os projetos de pesquisa são diretamente afetados.
No Centro de Biotecnologia da UFRGS, as dificuldades vão da escassez de recursos para compra de reagentes químicos e enzimas até para o conserto de equipamentos estragados.
– São necessidades básicas de laboratórios, muitas vezes caras. Estamos nos esforçando, buscando convênios, para que as pesquisas não parem – relata o professor Giancarlo Pasquali, diretor do centro de pesquisa, que trabalha com projetos que vão do melhoramento genético de plantas ao controle biológico de pragas e doenças.
Em uma das salas do laboratório de Botânica, um equipamento estragado está parado desde o começo do ano. Necessário para avaliar reações químicas, e de uso comum por diversos departamentos, o espectrofotômetro não tem previsão para ser consertado. Outro equipamento, usado para armazenar plantas em luz e temperatura controladas, queimou no ano passado por conta de problemas no gerador de energia elétrica.
– Para análises de bioinformática, faltam computadores. Alguns alunos trazem seus computadores de casa – diz Felipe dos Santos Maraschin, chefe do Departamento de Botânica da universidade federal.
Instituições em dificuldade
O cenário de dificuldades não é exclusividade da UFRGS, atinge praticamente todas as instituições públicas. Na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), o orçamento para a pósgraduação e pesquisa caiu de R$ 3,65 milhões em 2014 para R$ 1,66 milhão neste ano – redução de 54,4%.
– O reflexo se dá diretamente na pesquisa, com prejuízos à coleta de dados em idas a campo e à participação de professores e pesquisadores em eventos científicos – exemplifica Paulo Renato Schneider, pró-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa da UFSM.
Com 84 cursos de mestrado e doutorado, a universidade tem nas ciências agrárias o maior percentual de produção científica. De 2011 a 2016, 28% das publicações da UFSM foram vinculados ao setor agrícola.
No Centro de Tecnologia em Pecuária da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), em Uruguaiana, o cenário também é preocupante. Com a redução de verbas para contratação de funcionários terceirizados, os alunos precisaram assumir parte dos cuidados diários com os animais – de alimentação ao manejo. A diminuição de bolsas de pós-graduação é outro limitador.
– Aluno de mestrado e de doutorado é quem carrega o barco. Perdê-los é o mesmo que perder cavalos de guerra da pesquisa – lamenta o professor Ricardo Pedroso Oaigen, coordenador do Centro de Tecnologia da Unipampa.
Além da queda nos recursos orçamentários das universidades, pesquisadores reclamam da diminuição de outras fontes de financiamento de pesquisa, com editais mais restritos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).