Diretamente ligada às condições climáticas, a produção agropecuária sofreu tanto quanto os gaúchos com a onda de calor que elevou as termômetros próximos aos 40ºC por quase 20 dias consecutivos. Expostos a temperaturas escaldantes em quase todas as regiões do Estado, animais e lavouras de grãos e hortaliças tiveram redução no rendimento para o período.
Um dos setores mais afetados foi o avícola, que registrou a morte de aproximadamente 500 mil frangos por calor, em decorrência da falta de energia. O prejuízo direto é superior a R$ 5,4 milhões no Vale do Taquari, estima a Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav). Por dia, o Estado abate média de 3 milhões de aves.
- Isso sem contar as perdas na conversão alimentar, pois com esse calor os animais consomem ração e não aumentam de peso - explica o secretário-executivo da Asgav, José Eduardo dos Santos, acrescentando que a redução de oferta para as indústrias irá resultar em aumento de até 15% no preço final do frango e de ovos.
O município mais prejudicado pela mortandade de frangos foi Relvado, onde cerca de 200 mil aves foram descartadas após sistemas de ventilação e nebulização de aviários ficarem quase três horas sem funcionar devido à falta de energia.
- As perdas representaram quase 20% da produção anual de aves do município - diz o secretário municipal da Agricultura, Diego Luiz Marques.
Diante do aviário totalmente vazio, o produtor Deolindo Cagliari, 62 anos, sabe o número exato de aves que morreram na última semana na propriedade de Linha São Rafael, no interior de Relvado.
- Foram 10.280 frangos, 92% da produção que eu tinha alojada - conta Cagliari, que calcula prejuízo superior a R$ 50 mil.
O produtor iria entregar o lote de quase 13 mil aves com 42 dias de vida à BRF na sexta-feira passada, um dia depois dos animais morrerem de calor após faltar energia das 14h às 17h.
- Mantemos normalmente uma temperatura máxima de 28°C dentro do aviário. Naquelas horas (quinta-feira, dia 6) a sensação térmica ficou superior a 40ºC dentro do aviário. Os frangos foram morrendo um a um. Foi uma tristeza - lamenta Cagliari.
Ubabef busca criação de seguro para compensar perdas no setor
Sem seguro agrícola para cobrir as perdas nos aviários, os produtores devem buscar ressarcimento nas concessionárias de energia, recomenda a União Brasileira da Avicultura (Ubabef). Os prejuízos do setor avícola em decorrência da falta de luz associada com o calor extremo não se resumem ao Rio Grande do Sul, chegando a 1 milhão de frangos mortos em todo o país, de acordo com a entidade. A AES Sul informa que o produtor que teve algum prejuízo em razão da falta de energia no Vale do Taquari deve entrar em contato com a empresa, que irá avaliar cada caso.
- Tanto o frio quanto o calor impactam muito na produção de aves. Por isso, estamos buscando apoio do governo para criar um seguro específico para a avicultura - afirma Francisco Turra, presidente da entidade.
Assim como o seguro, Turra destaca que uma das alternativas para o produtor não ficar tão vulnerável à instabilidade climática é modernizar os aviários com novos sistemas de refrigeração e até mesmo geradores.
- Para isso existe a linha de financiamento Inova Agro, em operação desde o mês passado, que destinará R$ 300 milhões para a avicultura brasileira - completa Turra.
Redução na produção de leite no Estado pode ultrapassar 10% /STRONG>
O calor excessivo prejudica as pastagens, que não se desenvolvem, e os criadores precisam suplementar a alimentação do gado com ração
Foto: Lidiane Mallmann, Especial
Debaixo de um calor tórrido e pastagens escassas, o gado de leite não consegue ter a mesma disposição para se alimentar e, consequentemente, produzir leite. Com os termômetros nas alturas, a redução é de pelo menos 10% no volume produzido no Rio Grande do Sul, conforme a Federação da Agricultura no Estado (Farsul). O prejuízo é de cerca de R$ 10,8 milhões, cálculo que leva em conta a produção diária de 12 milhões de litros e o valor pago ao produtor, R$ 0,90 por litro, em média.
- O gado sofre com as altas temperaturas e não consegue se alimentar direito - ressalta Jorge Rodrigues, presidente da Comissão de Leite da Farsul.
O calor excessivo também prejudica as pastagens, que não se desenvolvem. Para compensar, os criadores precisam suplementar a alimentação do gado com ração - o que aumenta em pelo menos 20% os custos de produção. Uma das regiões com pastagens mais sacrificadas é as Missões, onde a chuva não teve regularidade. A redução da oferta de leite ainda não foi refletida na indústria gaúcha de processamento, conforme o Sindicato das Indústrias de Laticínios do Rio Grande do Sul (Sindilat).
- Estamos em período de férias escolares, quando a demanda por leite diminui. Talvez daqui algumas semanas os efeitos sejam mais visíveis - explica o secretário-executivo da entidade, Darlan Palharini.
Produtividade menor nas lavouras de milho e soja
Com grande parte das lavouras gaúchas de soja em fase de floração e enchimento de grãos, o Estado deverá ter redução de produtividade na safra em razão das altas temperaturas. Embora seja cedo para prever perdas, o forte calor vem provocando abortamento de flores e comprometendo a formação de grãos.
- Teremos perdas, isso é certo. Mas ainda é prematuro dimensionar o tamanho - aponta José Enoir Daniel, assistente técnico estadual da Emater.
No levantamento divulgado nesta semana pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a produção estimada para a soja foi revisada para baixo - passando de 13,2 milhões de toneladas para 13,09 milhões de toneladas. Ainda assim, a estimativa representa alta de 4,5% em relação à safra 2012/2013. Conforme a pesquisadora Ivonete Tazzo, da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária, a temperatura ideal para a soja é entre 20°C e 30°C. O forte calor encurta o ciclo da cultura, acelerando a maturação da planta e reduzindo o tempo para enchimento dos grãos, diminuindo a produtividade.
Com temperatura acima dos 30°C as plantas aceleram os ciclos de produção e aumentam a transpiração - precisando retirar mais água do solo para se desenvolver. Além do desgaste da planta, calor e umidade facilitam o surgimento de doenças.
- Alta temperatura significa maior risco, pois fungos e insetos se desenvolvem mais rápido - diz Fábio Marin, professor do Departamento de Engenharia de Biossistemas da Esalq/USP.
Nas lavouras de milho, embora grande parte já estava em época de colheita nos dias de calorão, os efeitos das altas temperaturas também foram sentidos. A produção estimada inicialmente em 5,4 milhões de toneladas não deverá passar de 4,92 milhões de toneladas - queda de 8,5% em relação à safra passada.
Hortaliças mais caras e feias
Na produção de hortaliças, o efeito das altas temperaturas é imediato. Como o calorão provocou perdas de até 50% na produção do Vale do Sinos e no Vale do Paranhana, os consumidores encontram no mercado folhosas até por quase o triplo do preço e com qualidade inferior. É o caso da alface, que em um mês subiu de R$ 0,58 o pé para R$ 1,67 no valor pago ao produtor, segundo a Ceasa.
A produção também é prejudicada, conforme Finkler, pela falta de energia. Atualmente, cerca de 90% da produção de hortaliças como alface, rúcula e couve-flor do Estado conta com sistemas de irrigação.