Zerar as emissões de carbono vindas da queima de combustíveis fósseis é o debate que vai nortear a 29ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP29), que ocorre neste mês no Azerbaijão. O país, produtor de petróleo, sedia o principal evento global sobre mudanças climáticas e assume o desafio de debater sobre a economia da qual é dependente.
Por esse e outros motivos, como também a instabilidade política mundial, o climatologista e cientista brasileiro Carlos Nobre, referência internacional em aquecimento global, afirma não estar muito otimista com as discussões da conferência de número 29. Acredita que muitos dos debates serão postergados para a edição que ocorrerá em 2025 no Pará, norte do Brasil, e salienta que o Acordo de Belém vai ser o maior e mais desafiador de todas as conferências.
Em entrevista a Zero Hora, Nobre fala sobre as expectativas para a edição de 2024 da COP e sobre a urgência de se reduzir as emissões de carbono para evitar o que ele chama de ecocídio (extermínio deliberado de todo um ecossistema local ou regional).
Quais serão os principais debates e o que de prático pode acontecer no Brasil após a COP29 do Azerbaijão?
Na COP28, no ano passado, a temperatura já havia atingido pela primeira vez na história do planeta 1,5ºC acima do que a média de 1850, 1900, quando o aquecimento global estava apenas começando. Eu estava na COP28 e não sei se foi muito ambiciosa. A única coisa foi que, pela primeira vez, se destacou a importância de reduzir as emissões da queima de combustíveis fósseis. Mais de 70% das emissões dos gases de efeito estufa vêm da queima de petróleo, carvão, gás natural.
No vídeo, veja o que esperar do encontro no Azerbaijão
A temperatura segue acima de 1,5ºC (mais quente do que a média). Existe um risco muito grande. Se ela continuar 1,5ºC em 2025, a nossa COP30, em Belém, vai ser a mais desafiadora das COPs, pois vamos ter que acelerar muito a redução das emissões, muito mais rápido do que os países todos concordaram lá na COP26, em 2021, em Glasgow, na Escócia, onde se falou em reduzir em 50% as emissões até 2030, e depois zerar as emissões líquidas até 2050. A meta da COP26 era para não deixar a temperatura passar de 1,5ºC. Se, no ano que vem, continuar com 1,5ºC e zerar as emissões líquidas somente em 2050, vamos chegar, provavelmente, a 2,5ºC. E esse é um enorme risco para o planeta. Um dos grandes desafios da COP29 é começar a reconhecer o risco que o planeta está correndo, que é muito maior do que se imaginava alguns anos atrás. É muito importante que a COP29 comece a discutir os riscos com muito mais rigor e seriedade.
Qual é o grande desafio agora?
A discussão sobre o setor de combustíveis fósseis. A COP29 deve ser muito mais ambiciosa do que foi até agora, até mesmo mais ambiciosa do que foi a COP28, quando foi a primeira vez que nos documentos aparecia a palavra “redução” das emissões de energias fósseis. Antes, se falava de todas as emissões, mas elas não reduziram e em 2023 foram mais altas do que em 2022.
Ainda não se tem os dados de todas as emissões de 2024, mas as informações que nós temos até o momento é que elas estão acima de 2023. E tem muito a ver com essa enorme instabilidade política que o mundo está vivendo com a guerra entre a Rússia e a Ucrânia e com a guerra na Faixa de Gaza. Essa instabilidade política está reduzindo o compromisso que muitos países tinham de rapidamente diminuir as emissões. Não estou muito otimista que a COP29 vá fazer as metas serem muito mais ambiciosas.
E aí, de novo, sobra para nós, brasileiros, liderando a COP30, realmente fazer uma revolução, convencermos todos os países a reduzirem muito, principalmente se a temperatura continuar acima de 1,5ºC. E existe um risco muito grande dela continuar. Se a gente quer que as COPs sejam importantes, a própria COP29 tem que começar a buscar entender que a temperatura já aqueceu muito mais rápido do que se imaginava. A redução das emissões tem que ser a jato.
Isso acaba postergando decisões e colocando um peso maior sobre a COP30?
Sem dúvida. Está começando agora o fenômeno do La Niña do Oceano Pacífico. As temperaturas do Oceano Pacífico Equatorial estão um pouco mais frias, mas o Oceano Pacífico Tropical, está mais quente. Então, não há a expectativa de o La Niña esfriar a temperatura do planeta. Se a ciência, antes da COP30, falar que o planeta já atingiu 1,5ºC e não tem mais volta, a COP30 vai ser a mais importante das 30 COPs. Se até lá a temperatura já tiver atingido 1,5ºC, vamos ter que reduzir as emissões muito mais rápido. Se deixar de ter emissões em 2050, reitero, a temperatura pode chegar a 2,5ºC e até passar de 2,5ºC. E isso é um ecocídio, é um suicídio para o planeta.
Há expectativa de novamente ser assinado um compromisso entre os países?
O Acordo de Paris falava para não deixar a temperatura passar de 2°C e depois, na COP26, a ciência mostrou que 2ºC era muito grave, um enorme risco, e os países concordaram que não deveria passar de 1,5ºC. Mas agora que a temperatura já está chegando a isso e o plano era de não deixar a temperatura passar de 1,5ºC em 2050, podemos atingir 1,5ºC 25 anos antes. Portanto, o novo acordo pode até se chamar Acordo de Belém e será o maior, o mais desafiador acordo das 30 COPs. Ele vai ter que realmente acelerar muito a redução das emissões, não podemos esperar até 2050.
Eventos climáticos têm sido vistos há anos no Brasil, mas em 2024 foi muito claro, tanto aqui no Rio Grande do Sul, com a enchente, quanto no centro e no norte do Brasil, com as queimadas. A ciência deixa bem claro, em todo o planeta, que os eventos extremos, ondas de calor, secas, chuvas intensas, prolongadas, incêndios florestais, aumentos no nível do mar, marés, tempestades, ressaca, estão acontecendo com muito mais frequência e quebrando o recorde. Tivemos a maior chuva na história do Rio Grande do Sul, tivemos a maior seca da Amazônia e uma seca super forte também no Cerrado, em 2020. Se a gente deixar a temperatura continuar no nível em que está, nós temos que estar muito preparados para nos adaptarmos muito mais aos eventos extremos. Com 1,5ºC não tem mais volta.
A COP29 e a COP30 podem incentivar avanços aqui no Brasil, como a regularização do mercado de carbono?
Acho que sim. E seria muito importante que no mercado regulado de carbono fosse incluído o setor da agricultura. A Câmara dos Deputados não colocou o setor do agronegócio nesta regulamentação. Quem emite muito, por ano, tem que comprar o crédito de carbono.