Polêmica, a Proposta de Emenda à Constituição popularmente chamada de “PEC das Praias” chegou a ser chamada – erroneamente – de privatização das praias brasileiras. O erro está no fato de que o projeto não envolve a possibilidade de venda da faixa de areia, que segue integralmente pública, e sim os chamados “terrenos de marinha”, que correspondem aos 33 metros seguintes ao último ponto alcançado pela maré alta em cada região costeira.
Mesmo assim, críticos à proposta alertam para o risco de restrição de acessos às praias, uma vez que esses terrenos, hoje pertencentes à União, passariam a poder ser vendidos para Estados, municípios e particulares. Como quem constrói nessas áreas precisa pagar uma taxa anual e pode ter seus espaços fiscalizados, o entendimento dos contrários à PEC é de que a redução da presença pública à beira-mar pode fragilizar a proteção ambiental e diminuir a garantia desses acessos à praia nas regiões costeiras.
Como o Rio Grande do Sul possui extensas faixas de areia, corre menos riscos de verificar situações como as criticadas pelos ambientalistas. Em Santa Catarina, por exemplo, muitas praias só podem ser acessadas por uma ou duas trilhas, por serem rodeadas por vegetação, algo que alimenta dúvidas.
Hoje, mesmo quando há uma casa ou comércio no ponto onde esses acessos começam, é obrigatório assegurar algum tipo de circulação pública para chegar à areia. A legislação que garante esse acesso não está sendo debatida. Dessa forma, esse direito não seria afetado pela PEC. Contudo, mesmo que os temores dos críticos à proposta se confirmem e algum prejuízo seja registrado, dificilmente isso ocorreria nas praias gaúchas, que têm muitos acessos à mesma faixa de areia.
— Em Santa Catarina, vemos enseadas com construções em que vemos placas de praias “particulares”, que, na verdade, não são, mas, por conta da inviabilidade de acesso acabam na prática assim sendo. No Rio Grande do Sul, temos uma situação diferenciada do ponto de vista da questão de acesso, bem como também temos o Código Estadual do Meio Ambiente, que é muito claro em relação à proteção das dunas frontais do Oceano Atlântico — avalia Fabiana Figueiró, advogada e sócia da área Ambiental do Souto Correa Advogados.
Hoje, há ações judiciais tratando sobre a demarcação de áreas de terrenos de marinha em municípios gaúchos como Tramandaí, Imbé e Cidreira, que questionam até onde esses espaços chegam e em quais locais, exatamente, é necessário pagar a taxa.
No entendimento de Milton Lafourcade Asmus, professor da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), especialista em Gerenciamento Costeiro, o principal impacto em solo gaúcho, com no restante do Brasil, é o enfraquecimento da gestão pública.
— O acesso à praia é, talvez, a coisa mais simbólica, mas tudo o que tem por trás é mais importante: garantir a qualidade, o funcionamento, os serviços dessa região costeira, toda a proteção que esses sistemas costeiros nos fornecem, principalmente com os campos de dunas, todo esse espaço de lazer, de turismo, de agricultura costeira, de pesca. Isso requer planejamento e gestão, para fortalecermos a gestão pública de boa qualidade, com formação científica — defende Asmus.
O docente da Furg ressalta que o Rio Grande do Sul está vendo como as mudanças climáticas são uma ameaça, o que aumenta a importância de proteger as zonas costeiras. Assim, quando eventos climáticos extremos ocorrem em áreas mais planas, como onde está a Lagoa dos Patos, por exemplo, o efeito social se amplifica, já que são locais densamente populosos.
No Estado, segundo Eduardo Guimarães Barboza, ex-diretor do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), 49% da região costeira já sofreu erosão e, portanto, não pertence mais à União, dentro da linha demarcatória estabelecida em 1946. Foi neste ano que um decreto formalizou os terrenos de marinha. Os espaços onde há pouca erosão costeira ficam nos trechos entre São José do Norte e o banhado do Taim, em Rio Grande, e em alguns pontos de Torres a Capão da Canoa e Xangri-lá.