A realização de uma audiência pública sobre o assunto e uma posterior briga virtual entre Neymar Júnior e Luana Piovani reacenderam a discussão sobre uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tramita desde 2011 no Congresso Nacional. A (PEC) 3/2022, já aprovada na Câmara dos Deputados, transfere os chamados terrenos de Marinha aos seus ocupantes particulares, mediante pagamento.
Atualmente em vias de ser votado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, o projeto prevê a extinção da figura dos “terrenos de marinha”, uma faixa de 33 metros a partir do ponto mais alto que a maré atinge na área costeira, que hoje é de propriedade da União e não pode ser vendida. Com isso, há quem denuncie – erroneamente – a mudança como uma privatização das praias brasileiras.
O que diz a PEC?
A PEC 3/2022, já aprovada na Câmara dos Deputados, transfere os chamados terrenos de marinha – de propriedade da União – aos seus ocupantes particulares, mediante pagamento. Se aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente da República, a transferência de áreas ocupadas por Estados e municípios será gratuita.
A lei atual prevê que, embora os ocupantes legais tenham a posse e documentos do imóvel, as áreas litorâneas, inclusive praias, são da União e não podem ser fechadas, ou seja, qualquer cidadão tem direito de acesso ao mar. Com a extinção do terreno de marinha, críticos à proposta alertam que o proprietário poderia fechar o acesso terrestre à praia, que passaria a ser possível apenas por via aérea ou aquática.
O terreno é da Marinha?
Não. Apesar de essa faixa de 33 metros, medidos a partir da posição da preamar média (maré cheia), ser chamada de “terreno de marinha”, a Marinha do Brasil não é responsável pela administração dessa área.
A propriedade desses locais é da União: é possível construir casas e empreendimentos nessas regiões, mas, hoje, quem constrói precisa pagar uma taxa anual ao poder público. Caso a proposta vença, esses terrenos poderão ser vendidos a outros entes públicos e privados.
A praia vai ser privatizada?
Não. Diferentemente do que acontece em outros países, como Bahamas e República Dominicana, onde há praias que só podem ser acessadas por hóspedes de resorts instalados naqueles locais, no Brasil é obrigatório permitir o acesso de todos os cidadãos a todas as praias e ilhas.
Essa liberação é assegurada pela Lei Federal nº 7.661/1988, que determina que “as praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido”. Como não é esta a legislação com proposta de mudança, a regra se manterá, independentemente da aprovação da outra.
O que muda, então?
A única mudança objetiva seria a possibilidade de foreiros e ocupantes particulares regularmente inscritos junto ao órgão de gestão do patrimônio da União adquirirem a posse definitiva de um terreno de marinha. Em 2022, quando a PEC foi aprovada na Câmara, cerca de 500 mil imóveis no Brasil estavam localizados nessas áreas.
Ex-diretor do Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista em gerenciamento costeiro, Eduardo Guimarães Barboza defende que essa é uma lei administrativa, que serve apenas para arrecadar recursos para a União, e não trará grandes impactos ambientais.
— O terreno de marinha não tem nada a ver com proteção ambiental. A lei que rege a proteção ambiental é a Lei 12.651/2012, que protege o ecossistema, o meio ambiente, e não a lei de terreno de marinha. A lei de terreno de marinha é uma lei puramente administrativa e arrecadatória para a União — defende Barboza.
Quem é contrário à proposta, como o Greenpeace, entretanto, alerta para o risco de enfraquecimento das ferramentas de proteção ambiental no país.
— A gente está mudando uma legislação que talvez não diretamente, mas indiretamente acaba enfraquecendo os instrumentos que o Estado tem de conservação ambiental, de colocar limite para os empreendimentos. Se a gente for deixar para um município menor, que tem até menos recursos técnicos e financeiros do que a União para fazer a gestão ambiental do seu território, a gente pode imaginar que ficaríamos mais suscetíveis à especulação imobiliária e, portanto, à degradação ambiental — avalia Gabriela Nepomuceno, porta-voz do Greenpeace Brasil.