Está em discussão na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado a proposta que, se aprovada, pode privatizar áreas de praias que hoje pertencem à União. A mudança gera dúvidas sobre os impactos ao meio ambiente e comunidades afetadas. Após debate em audiência pública na semana passada e ampla repercussão nas redes sociais, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), indicou, porém, que a matéria não está entre as prioridades de votação da Casa.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 3/2022, já aprovada na Câmara dos Deputados, transfere os chamados terrenos de Marinha aos seus ocupantes particulares, mediante pagamento. A transferência de áreas ocupadas por Estados e municípios será gratuita.
A lei atual prevê que, embora os ocupantes legais tenham a posse e documentos do imóvel, as áreas litorâneas, inclusive praias, são da União e não podem ser fechadas, ou seja, qualquer cidadão tem direito de acesso ao mar. Com a extinção do terreno de marinha, o proprietário poderia tornar a praia um espaço particular.
Como é atualmente?
Os chamados terrenos de Marinha são áreas na costa marítima brasileira, incluindo as praias e o contorno de ilhas. Eles correspondem a uma faixa de 33 metros, medidos a partir da posição do preamar médio (maré cheia). Também são considerados terrenos marinhos as margens de grandes rios, lagos e lagoas.
Os moradores que ocupam essas áreas estão sujeitos ao regime de aforamento, sendo obrigados a pagar anualmente à União uma taxa sobre o valor do terreno. A propriedade do imóvel é compartilhada na proporção de 83% do terreno para o cidadão e 17% para a União.
Sobre o porcentual federal, os ocupantes pagam as taxas de foro e laudêmio. O tributo é calculado sobre o valor venal (estimado pela prefeitura) do imóvel. Para entrar em vigor, a PEC precisa ser aprovada em votação no Senado, ainda sem data definida.
O que diz quem é favorável e contrário à PEC?
O relator da PEC, senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), já se posicionou favorável ao projeto que, segundo ele, vai atingir 521 mil propriedades cadastradas pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Ele diz que a proposta pode facilitar o registro fundiário e também gerar empregos. Os defensores da PEC negam que haja qualquer margem para privatização por meio do texto da nova regra.
Já o senador Rogério Carvalho (PT-SE), que convocou a audiência pública na semana passada para debater o projeto, defende também mais discussões para debater os impactos do projeto ao meio ambiente e às comunidades de pescadores. Segundo ele, a mudança pode impactar o Balanço Geral da União e as receitas decorrentes desses pagamentos.
Qual a posição do governo?
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que o governo é contra a mudança. De acordo com Padilha, da forma que está, a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva irá trabalhar contra a proposta na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
— O governo tem posição contrária a essa proposta. O governo é contrário a qualquer programa de privatização das praias públicas, que cerceiam o povo brasileiro de poder frequentar essas praias — afirmou Padilha, em coletiva de imprensa nesta segunda-feira (3), no Palácio do Planalto.
Qual é a crítica dos especialistas?
Para especialistas, a medida pode causar ocupação desorganizada da orla, no momento em que as mudanças climáticas recomendam o contrário. Já os ambientalistas afirmam que o texto dá margem para a criação de praias privadas, além de promover riscos para a biodiversidade e para as comunidades tradicionais de pescadores e caiçaras.
Atualmente, partes de áreas urbanas de grandes cidades litorâneas, como Rio de Janeiro (RJ), Fortaleza (CE), Florianópolis (SC) e Santos (SP), estão dentro da faixa de marinha. Ronaldo Christofoletti, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), diz que a aprovação da proposta pode acelerar ainda mais a ocupação das faixas litorâneas:
— Prédios e condomínios foram construídos quase dentro da água, com retirada de restinga e manguezais que protegem a faixa de areia. O desprovimento das áreas de marinha levará a uma maior ocupação dessas áreas no momento em que as mudanças climáticas tornam as grandes ressacas mais frequentes — diz ele.
Briga entre Neymar e Luana Piovani
O apoio de Neymar à proposta motivou uma discussão do jogador com a atriz Luana Piovani. O atacante fez uma parceria para criar a Rota Due Caribe Brasileiro, que visa a construir edifícios residenciais de alto padrão entre Alagoas e Pernambuco. A incorporadora Due nega que a PEC terá qualquer impacto para o empreendimento. "Nossos empreendimentos não sofrerão qualquer impacto, seja positivo ou negativo, com a PEC 03/2022?" diz o comunicado.
Na terça-feira (28), Luana Piovani publicou um vídeo da atriz Laila Zaid, que comenta a PEC das praias. No vídeo de Laila, ela diz que a PEC quer transferir terrenos do litoral brasileiro, de domínio da Marinha para Estados, municípios e propriedades privadas. Em certo momento, ela cita o atleta, que já fez um vídeo apoiando a proposta. Nas redes sociais, Neymar chamou a atriz de "maluca" e rebateu os ataques.