Nos últimos dias, um forte mau odor tem atingido alguns pontos de Estrela e Lajeado. Os dois municípios ficam localizados no Vale do Taquari, que sofreu recentemente com duas enchentes históricas em um intervalo de menos de três meses. As causas, no entanto, ainda não estão claras.
O cheiro, que se assemelha ao de fezes, tem sido sentido em diferentes pontos na região central de Lajeado e próximo ao porto de Estrela. Enquanto algumas pessoas ficam incomodadas — e alguns estabelecimentos chegam até mesmo a acender incensos na tentativa de espantar o odor —, outras relatam que não chegaram a percebê-lo.
De acordo com a prefeitura de Lajeado, o cheiro ruim que eventualmente é percebido em alguns pontos da cidade tem relação com as cheias. "A enchente pode ter causado o transbordamento de algumas fossas de esgoto e, além disso, a lama acumulada pela cheia reduziu a capacidade de escoamento das águas ao entupir canos de esgoto pluvial. Assim, materiais orgânicos podem ter se acumulado nos canos sem ter para onde escoar", informou o poder municipal.
A prefeitura tem buscado fazer a limpeza de bueiros e do encanamento pluvial com o apoio de caminhões de hidrojato, já que é necessário que haja grande pressão para que a lama da enchente solte das paredes dos canos. Contudo, não há um prazo para a finalização. Como a cidade foi bastante atingida pelas enchentes, o trabalho é gradual e contínuo – a cidade já havia avançado na limpeza quando ocorreu a nova cheia, em novembro.
Os bairros afetados diretamente pelas enchentes de setembro e novembro foram Centro, Hidráulica, Moinhos, Conservas, Carneiros, Campestre, Universitário, Morro 25 e Jardim do Cedro. Não há confirmação se o odor é sentido em todos esses locais.
Já a prefeitura de Estrela informou que, até o momento, não houve, nos órgãos oficiais, nenhuma reclamação formal ou denúncia sobre o possível causador do odor. "Setores de Fiscalização e Meio Ambiente estão de prontidão, mas sem uma causa provável não há como agir neste momento", destacou em nota.
Possibilidades
Ricardo Felicetti, diretor do Departamento de Defesa Vegetal da Secretaria da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi), pondera que o odor pode ser resultante de uma soma de fatores devido ao contexto atual no Vale do Taquari.
— Tendo em vista toda a movimentação de material causada pelas enchentes, com grande deposição de material orgânico submetido à umidade, altas temperaturas e ação microbiana, a origem desse odor pode ser de diversas frentes, e não somente em uma situação pontual — ressalta.
Próximo ao porto de Estrela, localiza-se a área que concentra os detritos da enchente. A cidade aguarda a remoção por parte do Estado nos próximos dias. Também no porto, segundo a empresa responsável, há toneladas de farelos vegetais que foram afetadas pela cheia. Outras possibilidades seriam camas de aviários, utilizadas como adubo e comuns na região, segundo Felicetti.
A Nutritec, empresa que fabrica ingredientes destinados à nutrição animal e opera no porto de Estrela, está realizando a remoção dos materiais afetados. "Possuíamos aproximadamente 3 mil toneladas de farelos vegetais armazenados (farelo de trigo, farelo de arroz, casca de soja). A totalidade desse volume foi afetada pela enchente, acarretando um aumento de volume estimado de três vezes o original, em função do acréscimo de umidade", destacou a empresa por nota. Ele está sendo destinado a duas empresas receptoras, devidamente registradas nos órgãos fiscalizadores para o recebimento do produto, que está sendo processado para a produção de adubo orgânico. A documentação dessas movimentações tem ocorrido via nota fiscal e movimento de transporte de resíduos.
"Cabe salientar que o ritmo de retirada do produto também depende da capacidade de processamento do resíduo nas indústrias recebedoras. Neste contexto, nos últimos 30 dias, o total de volume de produto destinado às empresas terceiras foi de 2.250 toneladas, volume equivalente a 80 carretas", acrescentou a empresa. Seguindo o ritmo atual, a previsão de conclusão da limpeza total do armazém é para 15 de janeiro de 2024. A Nutritec também afirmou que, no caso da empresa, o odor seria pontual no armazém e não impactaria outros lugares ou regiões.
Ainda assim, é possível que a origem do cheiro seja decorrente do material armazenado, no caso de uma deterioração devido à umidade e à ação de micro-organismos, segundo Ricardo Felicetti.
— Principalmente com o grande volume de material afetado e as altas temperaturas dos últimos dias — afirma.
Hipóteses levantadas por alguns moradores da região, como o uso de adubo ou outras práticas em propriedades rurais, não estariam entre as causas, segundo o gerente regional da Emater/RS-Ascar nos Vales do Taquari e Caí, Cristiano Laste. Os produtores da região são atendidos e costumam seguir as orientações fornecidas pela Emater – a não ser que haja algum depósito ou acúmulo de algum produto que não é de conhecimento da entidade. Ele concorda que entulhos, rejeitos e lodo deixados pela enchente podem estar causando o forte odor.
— A princípio não estão aplicando adubo orgânico, mesmo porque a maioria das propriedades ainda não permite essa prática. Os únicos produtos que deixam odor ruim é adubo orgânico não fermentado ou composto orgânico não fermentado, mas isso praticamente não acontece mais — explica.