No dia 12 de dezembro de 2022, um incêndio atingiu a Estação Ecológica (Esec) do Taim, entre Rio Grande e Santa Vitória do Palmar, no sul do Estado. O combate durou até o dia 16 daquele mês, e só foi possível graças aos esforços de funcionários e voluntários do local, além do reforço dos Bombeiros. A reportagem de GZH retornou à área atingida e ouviu três dos quatro funcionários que iniciaram o combate às chamas e foram os últimos a sair da área afetada (leia neste link).
De acordo com a chefe da Estação, Ana Carolina Canary, cerca de 20% da Esec, que tem 32,7 mil hectares, foi consumida pelas chamas, sendo praticamente todo o banhado. Mas ela também destaca que diferentes espécies de animais começaram a voltar à área já nos dias seguintes ao fim do fogo.
Leia a primeira parte desta reportagem: Um mês após maior incêndio da história da reserva, agentes relembram combate ao fogo no Taim: "Ficávamos até o limite do corpo"
— Nossa maior preocupação foi com a queima da palha, porque os bichos ficam sem ter aonde se esconder, inclusive, dos caçadores. A caça é um dos maiores problemas ainda no Taim. Em nenhum fogo conseguimos ver perda de animais. Mas os ovos (ninhos) torraram e não conseguimos ver. E o incêndio foi, justamente, no período em que as aves estão em reprodução. Nunca havíamos tido um incêndio em dezembro, nossa preocupação sempre foi com o final do verão — relata Ana Carolina.
No momento do incêndio, além dos agentes temporários, a Esec contava com apenas um brigadista e um chefe de brigada de incêndio, cujos contratos terminaram no final dezembro. A Estação costuma contratar 12 brigadistas para atuar por seis meses, a partir de novembro. Mas em 2022, por conta do período eleitoral, a contratação atrasou. A promessa é de que eles cheguem nas próximas semanas.
A chefe da Esec conta que dentro do ICMBio já se fala em manejo do fogo, queimando algumas áreas em outras épocas do ano, como no inverno, quando não há vento e aves migratórias. Segundo ela, a prática é feita no Cerrado brasileiro. Porque, desta forma, não queima tudo ao mesmo tempo e o fogo é controlado.
— Talvez, a gente tenha que discutir isso no ICMBio dentro do Taim porque sabemos que sempre poderá pegar fogo. O banhado vai acumulando vegetação seca e isso é combustível. Como o último incêndio foi há muitos anos, o fogo se alastrou muito rápido porque tinha muito combustível. Foi horrível, mesmo sendo um processo natural — diz Ana Carolina.
Experiente com estudos no Taim, o professor e pesquisador do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) David da Motta Marques estava na região no período do incêndio. Ele destaca que o tecido de crescimento de folhas das macrófitas aquáticas (conhecidas popularmente como marrequinhas) emergentes do banhado foi poupado. Ou seja, elas poderão rebrotar. A palha (Zizaniopsis bonariensis), de acordo com o pesquisador, é característica deste banhado e tem uma taxa de crescimento rápida.
A região, salienta o pesquisador, forma um habitat particular que permite o estabelecimento de uma gama grande de espécies. Marques reforça que o Taim tem importância pelos serviços ambientais (naturais) que oferece, como transformação de orgânicos, armazenamento de carbono e provimento de habitat para centenas de espécies.
— Os banhados são extremamente importantes não só para a produção de biomassa, mas também para o processamento de materiais orgânicos e nutrientes. Eles têm importância no processamento de princípios ativos usados da agricultura, como na produção de arroz e soja — finaliza Marques.
Estação ecológica é santuário de aves
Criada em 1986, a Esec Taim iniciou com cerca de 11 mil hectares. Em 2017, a área foi ampliada para 32,7 mil hectares entre a Lagoa Mirim e o Oceano Atlântico. Um dos títulos que o Taim ostenta é o de Área Ramsar, recebido na Convenção de Ramsar, que é um tratado intergovernamental que estabelece marcos para ações nacionais e para a cooperação entre países com o objetivo de promover a conservação e o uso racional de áreas úmidas, especialmente aquelas que são habitat de aves aquáticas, no mundo.
Considerado um santuário das aves, principalmente para as aquáticas, o Taim tem cerca de 250 espécies, sendo que no Rio Grande do Sul inteiro são pouco mais de 600 registros. Conforme o professor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio Grande (Furg) Leandro Bugoni também diretor de Pesquisa da instituição, o Taim tem uma importância que vai além do que se pode imaginar, citando o exemplo dos gaviões-caramujeiros.
O Taim é área de reprodução desta espécie, que se alimenta de moluscos. A equipe de Bugoni, em conjunto com pesquisadores dos Estados Unidos, colocou transmissores por satélite nestas aves que passam pela região. Nos primeiros dias de rastreamento, foi possível identificar que um único indivíduo percorreu cinco países: Brasil, Uruguai, Argentina, Paraguai e Bolívia. Dois outros gaviões saíram do Taim e foram até a foz do Rio Amazonas, no Amapá, e retornaram no verão seguinte para se reproduzir no Taim. Ou seja, as aves (incluindo as que passam pelo Taim) fazem a conexão destes ambientes, conectando países e regiões distantes.