Das cores da bandeira do Brasil, uma deverá sobressair nos próximos anos, caso as promessas do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sejam postas em prática. Em discursos recentes, Lula afirma que o combate à mudança climática será prioridade. A promessa impõe desafios: a transição para uma "economia verde", com baixa produção de gás carbônico, provocará mudanças na economia, no trabalho e mesmo no cotidiano dos brasileiros.
Cada vez mais, cientistas alertam para o fato de que a preservação do planeta e da espécie humana estão em jogo. A floresta amazônica se aproxima do "ponto de não retorno", quando será tão destruída a ponto de se tornar uma espécie de savana — com grandes impactos na geração de chuva na América do Sul e na regulação de temperaturas. Em meio a aumento de queimadas e desmatamento e enfraquecimento da fiscalização, a gestão de Jair Bolsonaro gerou críticas de ambientalistas e da comunidade internacional.
Nesse contexto, governos do mundo são pressionados a promover o desenvolvimento econômico sustentável — ou seja, incentivar população, indústria e agronegócio a reduzirem impactos ecológicos.
Leia aqui a segunda parte desta reportagem:
— Lula disse que vai caminhar na direção de zerar o desmatamento, combater as mudanças climáticas e aumentar a resiliência dos sistemas agrícolas. Esses são os nossos grandes desafios. O Brasil tem toda a condição de se tornar o primeiro país das grandes emissões, porque somos o quinto que mais polui, a atingir as metas de reduzir 50% das emissões antes de 2030 e zerar até 2050. Isso tem um gigantesco valor econômico, com dezenas de bilhões de dólares para a economia brasileira, além de beneficiar a população — diz o climatologista Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP) e uma das maiores autoridades do país em questões climáticas.
Uma economia verde é realidade de países ricos e, agora, torna-se promessa brasileira. Em discurso na COP27, a conferência do clima da Organização das Nações Unidas (ONU) organizada neste mês no Egito, Lula disse que a preservação do ambiente e o desenvolvimento econômico podem andar juntos: citou que, entre 2004 e 2012, o desmatamento na Amazônia caiu 83%, e o Produto Interno Bruto (PIB) agropecuário cresceu 75%.
A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva declarou, recentemente, que a sustentabilidade não engessa a economia, mas "cria um novo ciclo de prosperidade". Diante de promessas de que "o Brasil voltou" para reassumir protagonismo internacional, o mundo agora olha com renovada atenção para o país.
Especialistas observam que não será fácil cumprir as promessas, mas que há condições para isso. A transição dependerá, é claro, de investimento. Exemplo: recuperar 12 milhões de hectares de florestas até 2030 (8 bilhões de árvores) custará de R$ 31 bilhões a R$ 52 bilhões, segundo estudo do Instituto Escolhas a pedido da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura.
A experiência de nações europeias mostra que a transição para uma economia verde depende de benefícios fiscais, fiscalização de leis e linhas de crédito a juro mais baixo para empresas, agronegócio e cidadãos incorporarem práticas sustentáveis na rotina. A boa notícia é que o país tem potencial para despontar nessa nova era: detém a maior biodiversidade e a maior floresta tropical do planeta, possui grandes extensões de terras férteis e de costa, clima ameno, sol o ano inteiro e bastante vento.
— O Brasil é, na verdade, o único país com espaço para ser protagonista mundial. Tem chance de virar potência, mas precisa de seriedade, de um plano benfeito e da integração entre setores. A sigla ESG (nomenclatura para práticas de governança ambiental, social e corporativa), que está na moda, precisa ser incorporada à política e às decisões que regem o país — comenta Suzana Padua, doutora em desenvolvimento sustentável e presidente do Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPE).
Atuar de forma verde não apenas salva o planeta e agrada ao mercado internacional, mas beneficia setores produtivos, destaca Guarany Osório, professor e pesquisador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
A economia verde, pontua, incrementa produtividade, fomenta empregos e eleva o preço de venda de produtos e commodities.
— O desenvolvimento sustentável é bom para o mundo, mas também para o Brasil: está provado pela ciência que a chuva que vem para o Centro-Oeste e o Sudeste sai da Amazônia. Quanto custa essa irrigação gigantesca para a produção de alimento e a geração de energia? Matar a Amazônia é péssimo para os negócios do país. Pode-se olhar para a bioeconomia na floresta. Há alimentos e fármacos que podem ser explorados em novos negócios — nota Osório.
A energia verde
A área com maior potencial para o Brasil despontar é a energética. De toda a energia produzida no país, o que envolve não só eletricidade, mas também combustível para transporte e indústrias, 45% é limpa e 55% provém de combustíveis fósseis, segundo dados da Empresa de Pesquisa Energética, ligada ao Ministério de Minas e Energia.
A produção de eletricidade, em específico, é de causar inveja a outros países, pela origem limpa: ainda segundo o órgão do governo federal, quase 57% da energia elétrica produzida no Brasil provém de hidrelétricas, e mais de 10%, do vento. A energia solar, que representava 2,5% no ano passado, saltou neste ano e já atingiu 10,8% da produção nacional, segundo mapeamento da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar).
Há espaço para aumentar ainda mais a participação de energias de fontes renováveis (solar, eólica e biomassa), mas isso implica reduzir o uso de carvão, gás e petróleo. Uma medida possível é desenhar políticas públicas para incentivar a instalação de painéis solares em empresas, lavouras e casas.
A maior parte da energia elétrica é consumida por indústrias (37,4%), seguida por residências (26,4%) e comércio (15,7%).
— Temos uma matriz energética que é referência mundial e mais limpa do que a maioria dos países europeus, asiáticos, africanos e Estados Unidos. Mas temos bastante utilização do combustível fóssil na energia como um todo, incluindo transportes. Podemos fazer mais, a energia eólica e em oceanos e lagos pode avançar.Os carros elétricos estão chegando, e precisamos de fontes renováveis para abastecê-los. Não faz sentido queimar combustível fóssil para isso — afirma Aline Pan, professora de Engenharia de Gestão em Energia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
"Esverdear" a matriz energética é importante porque países desenvolvidos consomem mais energia. Se o Brasil se tornar rico, consumirá, por consequência, mais energia. Se forem fontes renováveis, brasileiros sairão lucrando.
Aline Pan cita uma gama de oportunidades: implementação de painéis solares em residências e em propriedades rurais para produtores terem "pequenas usinas de energia", instalação de pequenas hidrelétricas em fazendas e cidades abastecidas por riachos e cachoeiras, expandir a energia solar em prefeituras, entre outros:
— O Brasil precisa de linhas de crédito específicas para essas transações com taxa de juro atrativa para motivar pequeno, médio e grande empresário. Os dados dizem que apostar em política energética gera riqueza ao país. O dinheiro colocado volta porque a energia é o principal vetor de desenvolvimento de uma nação. Processos eficientes, com produção de energia local e descarbonizada, trazem ganho econômico, ambiental e social.
E o agro?
A agricultura brasileira, carro-chefe da economia, tem sido associada à agressão ao ambiente, mas é um erro demonizá-la, defende a agrônoma Walkyria Scivittaro, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Clima Temperado de Pelotas. Ela afirma que o agro une sustentabilidade e eficiência — a atenção deve estar em quem não se preocupa com boas práticas ambientais. Leia mais sobre este tema na segunda parte desta reportagem.
Novas cidades e o futuro do trabalho
Caso as promessas do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, sejam postas em prática, o combate à mudança climática será prioridade do governo federal a partir do ano que vem. A questão impõe desafios: a transição para uma "economia verde", com baixa produção de gás carbônico, provocará mudanças na economia, no trabalho e mesmo no cotidiano dos brasileiros.
Um Brasil mais verde deve transformar as cidades em mais sustentáveis. Na prática, isso significa incentivar energia solar em residências e empresas, implementar ônibus e carros elétricos, criar mais parques e praças, recuperar rios, reutilizar água da chuva em descargas e separar lixo adequadamente.
A proposta do prefeito Sebastião Melo (MDB) de recuperar o Arroio Dilúvio em Porto Alegre, por exemplo, se encaixaria na ideia.
— As pessoas adoram viajar a outro país, ver que as coisas funcionam e que o meio ambiente é levado em conta. Se na Suíça os rios são límpidos, por que nós precisamos poluir os nossos? Em cidades do sul do Brasil, muitas têm cuidado e beleza diferenciados, com harmonia visual. Por que isso não acontece no restante do país? É possível o Brasil ter cidades sustentáveis. A questão é que o potencial econômico da biodiversidade não é levado em conta. O Brasil é belo, vale a pena e tem potencial de enriquecimento diferentemente deste que está aí — avalia Suzana Padua, doutora em desenvolvimento sustentável e presidente do Instituto de Pesquisas Ecológicas.
Há uma questão importante nessa conscientização ambiental rural e também urbana: transformar a economia brasileira em uma economia de baixo carbono envolve mobilizar profissionais qualificados. Analistas esperam consequências no mercado de trabalho, com incentivo à ascensão de uma série de profissões e redução de incentivos a outras.
Estudo de 2020 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) mostrou que a transição para uma economia com zero emissões líquidas de carbono provocaria o desaparecimento de 7,5 milhões de empregos em eletricidade com base em combustíveis fósseis e na produção de alimentos de origem animal.
Ao mesmo tempo, criaria 22,5 milhões de postos de trabalho nos setores de agricultura e produção de alimentos à base de plantas, eletricidade renovável, silvicultura, construção e manufatura. Como resultado final, seriam criados 15 milhões de empregos na América Latina e no Caribe até 2030.
— Hoje, 85% dos agricultores familiares são pobres, então é preciso modernizar para essa população atingir a classe média. São milhões de empregos para praticar uma agricultura regenerativa, industrializar produtos agrícolas e criar fábricas modernas. Tem também muito emprego na transição de energias renováveis. A distribuição da energia via painéis solares gera mais de cinco vezes mais empregos do que usinas termelétricas — destaca o climatologista Carlos Nobre.
Os desafios estão dados, e há pressa: a Organização Mundial da Saúde (OMS) projeta que, entre 2030 e 2050, o aquecimento global poderá causar 250 mil mortes adicionais ao ano por desnutrição, malária, diarreia e estresse por calor. O litoral do Nordeste poderá ser afetado com a elevação dos níveis dos oceanos e, no Rio Grande do Sul, a estiagem poderá ser ainda mais severa com o setor rural. Os olhos do mundo, e dos brasileiros, precisarão estar atentos.
Carreiras em ascensão na economia de baixo carbono
- Engenheiro de energia
- Engenheiro elétrico
- Engenheiro mecânico
- Advogado ambiental
- Silvicultura (cultivo de florestas)
- Agroecólogo
- TI
- Profissionais de governança ambiental, social e corporativa (ESG)
- Gestores de resíduos
Fontes: Engenheira de energia Aline Pan, climatologista Carlos Nobre, professor de Política e Economia Ambiental Guarany Osório