Havia tantos rostos conhecidos na plateia que o discurso do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, na COP27, nesta quarta-feira (16), parecia estar sendo proferido no Brasil, não no Egito.
Como creditou Lula, sua participação se deve a um convite do presidente do Egito e outro do governador do Pará, Helder Barbalho - sentado na primeira fila e vibrando com o anúncio da disputa para levar a COP30, em 2025, para um "Estado amazônico". A menção fez surgir um coro entre os presentes majoritariamente brasileiros: "ô, o Brasil voltou, o Brasil voltou, ô".
O presidente eleito cumpriu algumas das expectativas da comunidade ambiental global. Repetiu um compromisso assumido pelo atual até 2030, sem um adjetivo que faz muita diferença: "ilegal". Bolsonaro falara em zerar o desmatamento "ilegal" nesse prazo. A frase de Lula não tinha o adjetivo:
— Não mediremos esforços para zerar o desmatamento e a degradação de nossos biomas até 2030, da mesma forma que mais de 130 países se comprometeram ao assinar a Declaração de Líderes de Glasgow sobre Florestas.
Como foi lida do discurso escrito - por vezes, Lula saiu do roteiro -, há menor risco de lapso. É uma enorme diferença, que vai exigir imensos esforços. Para não deixar dúvidas, frisou, depois de afirmar que, nos três primeiros anos do atual governo, o desmatamento na Amazônia aumentou 73% e, só em 2021, florestas foram removidas em uma área de 13 mil quilômetros quadrados:
— Essa devastação ficará no passado.
Mas a frase que marcou maior diferença entre a atual gestão ambiental e a futura foi esta:
— Os crimes ambientais, que cresceram de forma assustadora durante o governo que está chegando ao fim, serão agora combatidos sem trégua. (...) Vamos punir com todo o rigor os responsáveis por qualquer atividade ilegal, seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida.
Ao assumir esse compromisso, além de simbolizar uma enorme inflexão sobre o que ocorre na Amazônia nos últimos anos, representa um desafio gigantesco para o atual governo. Quem vive a realidade da floresta relata que o vácuo de poder na região facilitou a infiltração do crime organizado, sem contar garimpeiros, madeireiros e pescadores "simplesmente" ilegais.
Também ao se ater ao discurso escrito, Lula desta vez acertou o tom ao falar entre os interesses comuns entre o agronegócio e a preservação ambiental:
— Estou certo de que o agronegócio brasileiro será um aliado estratégico do nosso governo na busca por uma agricultura regenerativa e sustentável, com investimento em ciência, tecnologia e educação no campo, valorizando os conhecimentos dos povos originários e comunidades locais. No Brasil há vários exemplos exitosos de agroflorestas. Temos 30 milhões de hectares de terras degradadas. Temos conhecimento tecnológico para torná-las agricultáveis. Não precisamos desmatar sequer um metro de floresta para continuarmos a ser um dos maiores produtores de alimentos do mundo.
Em um dos momentos em que saiu do roteiro, Lula repetiu duas vezes esta frase:
— Em 2009, os países presentes à COP15, em Copenhague, comprometeram-se em mobilizar US$ 100 bilhões ao ano, a partir de 2020, para ajudar os países menos desenvolvidos a enfrentarem a mudança climática. Este compromisso não foi e não está sendo cumprido.
Parou de ler, lembrou que esse compromisso está atrasado há dois anos e avisou que voltou, também, para fazer cobranças. Não da forma que já soou a chantagem, mas da que cabe ante promessas feitas e não cumpridas.
O caminho ambiental do Brasil é promissor, dizem 11 a cada 10 economistas. É um discurso que faz convergir duas tendências aparentemente inconciliáveis. Isso não significa que o caminho será fácil. A maior diferença que Lula terá de marcar em relação a seu antecessor ainda está por ser demonstrada: transformar discurso em prática. E em alta velocidade.