O tão esperado pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro na Cúpula do Clima teve conteúdo que surpreendeu mesmo quem já sabia das linhas gerais, com metas de reduzir emissões de carbono em 40% até 2030 e zerar, em termos líquidos, até 2050.
O correto conteúdo do discurso conseguiu, ao menos em percentuais citados, não desafinar da maioria dos líderes, mas atravessou o tom dos demais pela insistência nos pedidos de ajuda: foram três, superando até os feitos por David Kabua, presidente das Ilhas Marshall, ameaçadas de afundar até 2035 caso a mudança climática não seja domada.
O texto lido por Bolsonaro foi muito diferente do recitado na abertura da Conferência-Geral da ONU, em setembro passado. As palavras podem ser confrontadas com a realidade da fiscalização ambiental que o presidente prometeu apertar, mas ao menos não afrontaram diretamente os participantes, como já ocorreu. Como avisou o novo ministro das Relações Anteriores, Carlos Alberto Franco França, foi redigido para ser um "discurso de estadista". É uma mudança positiva.
Mas a insistência nos pedidos de ajuda pode reforçar a imagem mais recente de Bolsonaro como "chantagista ambiental", como retratado no The Wall Street Journal com o título "paguem para não arrasarmos a Amazônia". Os apelos foram repetidos em três trechos do pronunciamento:
"Diante da magnitude dos obstáculos, inclusive financeiros, é fundamental podermos contar com a contribuição de países, empresas, entidades e pessoas dispostos a atuar de maneira imediata, real e construtiva na solução desses problemas."
"Da mesma forma, é preciso haver justa remuneração pelos serviços ambientais prestados por nossos biomas ao planeta, como forma de reconhecer o caráter econômico das atividades de conservação."
"Com esse espírito de responsabilidade coletiva e destino comum, convido-os novamente a apoiar-nos nessa missão."
Chamou atenção de especialistas em usos e costumes da diplomacia a ordem de exibição do vídeo do presidente brasileiro: além de ter sido 19º, entrou depois da Argentina. Não foi considerado prioritário, portanto. Como ninguém ignora a rivalidade histórica, nem a divergência ideológica entre os dois presidentes, foi um claro recado. É compreensível a precedência de Bangladesh e Ilhas Marshall, mas o vizinho latino-americano não é nem uma vítima imediata nem um contribuinte destacado no cenário das mudanças climáticas.
Bangladesh, segundo a a primeira-ministra Sheikh Hasina, investe US$ 5 bilhões ao ano, ou 2,5% do PIB, em mudanças que permitam adaptar o país para ser mais resiliente a ciclones e ao aumento do nível do mar. As Ilhas Marshall, conforme o US Geological Survey, pode ter partes submersas até 2035 com impactos do efeito-estufa.