É com ceticismo que o mundo escutou o discurso do presidente Jair Bolsonaro na Cúpula do Clima, nesta quinta-feira (22). Primeiro porque as preocupações ambientais não começaram hoje nem iniciaram quando Joe Biden assumiu a presidência dos Estados Unidos.
Em mais de 40 anos desde as primeiras reuniões internacionais sabe-se dos desafios de se equilibrar desenvolvimento econômico e corte de emissões de gases poluentes, em um cenário de matriz energética que desde a Revolução Industrial se baseia na queima de carbono. Segundo, porque os governantes das principais nações do planeta sabem que a conversão repentina do governo Bolsonaro a mocinho da questão ambiental não tem lastro histórico. Dois grandes jornais americanos, The New York Times e The Wall Street Journal, trazem nesta quinta-feira textos alertando para a mudança do discurso do Planalto, que pode ser oportunista apenas para "inglês ver", nesse caso, para "americano ver".
Durante o atual governo, as taxas de devastação da Amazônia Legal foram as mais altas desde 2008, segundo o sistema de monitoramento oficial, Prodes. Em 2019, foram 10.129 km2 desmatados, em 2020, 11.088 km2. As cenas da floresta em chamas nos últimos anos, que ganharam repercussão internacional, ainda estão no inconsciente coletivo quando o tema é Brasil e a questão ambiental.
Por isso, ver agora Bolsonaro bancando de herói da causa e fazendo promessas com metas concretas têm sido comparável à Arábia Saudita defendendo os direitos das mulheres ou à China preocupada com a sobrevivência dos uigures. Não cola.
O discurso de Bolsonaro confirmou o teor da carta enviada na semana passada a Biden, com a promessa do fim do desmatamento ilegal na Amazônia até 2030. A novidade ficou por conta de uma nova meta: a redução em 40% da emissão de gases poluentes até 2030, alinhado com promessas que apareceram nas falas de outros líderes na manhã desta quinta-feira.
O risco é o discurso sem prática. Até porque nem Biden nem Bolsonaro estarão ao final desta década no poder, nem se fossem reeleitos.
O mundo mudou. Primeiro porque a pandemia mostrou que um vírus mortal sobrevoa fronteiras. A mesma ciência que, em menos de um ano trouxe a vacina contra a covid-19, é a que há mais de quatro décadas tem alertado sobre os riscos da elevação da temperatura do planeta. Segundo porque Donald Trump, que negava as evidências do aquecimento global, é passado. E o Brasil, que brigou com todos os aliados para se apegar ao discurso negacionista e isolacionista republicano, precisa agora, sozinho, desdizer tudo o que foi dito – e feito – na agenda ambiental de dois anos para cá.