Quando Léo Sorriso desceu de seu posto na proa do navio, ele não fazia jus ao apelido. Sério, foi em direção ao capitão Adilson Trindade para trocar informações junto ao timão. A apreensão era compreensível: a temporada deste ano já vinha sendo atípica, e um falso alarme sobre a presença de uma baleia jubarte nas proximidades da embarcação só geraria expectativas desnecessárias.
Cerca de uma hora depois de o barco ter deixado as areias da Praia do Forte, em Mata de São João (BA), o capitão desacelera a embarcação. Há um momento de espera. O silêncio que só se presencia estando a sete milhas (cerca de 13 quilômetros) da costa é interrompido por uma voz no rádio comunicador. Léo volta correndo para a frente do barco e conversa com outros dois companheiros para confirmar a informação transmitida pelo ar.
– Capitão, lá está ela, a jubarte – comemora o marinheiro Sorriso.
Adilson acelera o navio a boreste e um borrifo surge no horizonte, arrancando gritos e palmas de admiração de todos. Duas baleias aceitaram a aproximação do barco e começaram a interagir. Léo sorri.
Na popa, Teresa Bair começa a chorar. Sob o boné branco, os olhos verdes fitavam os gigantes marinhos pela primeira vez. A norte-americana de 45 anos nutria o sonho de observar baleias desde sua infância em Des Moines (EUA), quando morava a 1,7 mil quilômetros da praia. Residente em Porto Alegre há 13 anos, Teresa visitava o litoral norte baiano pela segunda vez, agora para celebrar com o marido, Lucas Bair, os 25 anos de casamento.
– Queríamos voltar para passar mais tempo, porque a primeira vez foram só três dias – conta Lucas.
Teresa pôde realizar seu sonho graças ao ciclo migratório anual das jubarte. As gigantes marinhas encaram uma viagem de cerca de dois meses saindo da Antártida para acasalar e dar à luz nas águas calmas e quentes do litoral baiano e capixaba. A temporada de baleias geralmente tem início em julho e vai até outubro. A observação embarcada atrai cerca de 10 mil turistas ao litoral da Bahia e do Espírito Santo por ano – quase 3 mil apenas na Praia do Forte, explica Sergio Cipolotti, biólogo coordenador operacional do projeto Baleia Jubarte, instituição não governamental sem fins lucrativos dedicada à conservação marinha, fundada em 1996:
– É importante que as pessoas saibam que é um turismo que precisa ser feito com muita responsabilidade. Existem normas de avistagem que precisam ser respeitadas para a aproximação dos grupos. Temos de entender as espécies que vão ser observadas. O turismo é uma bandeira muito forte para a conservação. Através do turismo, a gente consegue conscientizar e gerar mais desenvolvimento econômico.
Em 2020, devido à pandemia, os passeios no município de Mata de São João foram todos suspensos, retornando no fim da temporada, porém, com participação quase nula de turistas. Em 2021, com as observações permitidas durante toda a temporada, mais pessoas estão fazendo os passeios.
– A expectativa para o futuro é que realmente a gente possa fazer um crescimento ordenado para ter um turismo responsável e, principalmente, a realização dos sonhos das pessoas em observar esses animais majestosos, inteligentes e que estão aí para a gente poder contemplá-los e ajudar a manter a sua população em equilíbrio – planeja Cipolotti.
De setembro a março, são as tartarugas que ganham as praias locais, deixando rastros de nadadeiras pela areia fofa. Assim como as jubarte, a visita tem a ver com a reprodução da espécie. É no Brasil que elas encontram parceiros e depois retornam para depositar seus ovos.
Foram justamente as marcas na areia que chamaram a atenção de um grupo de alunos da Faculdade de Oceanografia da Universidade do Rio Grande do Sul (Furg) na década de 1980. O grupo foi despertado para a necessidade de debater a preservação da vida desses animais, e assim nasceu a ideia da Fundação Projeto Tamar, que hoje é referência mundial na preservação da vida marinha.
Atualmente, o projeto cuida de aproximadamente 1,1 mil quilômetros de praias e está presente em 23 localidades. A fundação protege, anualmente, por volta de 25 mil desovas de tartarugas, e a previsão é de chegar à marca histórica de 45 milhões de tartarugas marinhas protegidas até o início de 2022. O Tamar tem centros de visitantes espalhados pelo Brasil. Cerca de 1 milhão de pessoas visitaram os locais em 2019. Em 2020, com a pandemia, houve uma redução de 50% nesse número e, para 2021, estima-se que ele fique em torno de 700 mil. A base na Praia do Forte é responsável por metade desse volume, figurando entre os 10 museus mais visitados do Brasil.
– O trabalho de conservação mesmo ocorre na beira da praia. Então esses centros de visitantes, além do papel que desempenham na parte de educação ambiental, oportunizam que as pessoas possam ver um pouquinho do que a gente faz num local acessível e que pode receber um volume grande de pessoas. Os centros do Tamar hoje são os principais instrumentos de arrecadação da fundação, e é esse recurso que gira nossa economia e possibilita a maior parte das nossas atividades de pesquisa e conservação, inclusão e educação – conta a cofundadora do projeto Tamar, a porto-alegrense Neca Marcovaldi.
Sol e praia com consciência
Ao passar sob a réplica de tartaruga-de-couro que fica no portal de entrada do centro de visitantes na Praia do Forte, o turista mergulha no mundo da conservação marinha por meio de palestras, vídeos, painéis, aquários e visitas orientadas. As instalações, que ocupam uma área total de 10 mil metros quadrados, contam também com restaurante e loja para venda de produtos da marca. Em um dos tanques da sede, os visitantes podem conhecer o único lugar no mundo em que tubarões-lixa se reproduzem regularmente sob cuidados humanos.
Além de impactar as vidas marinhas, projetos como esse influenciam diretamente no desenvolvimento econômico e social da região. Segundo dados da Secretaria de Turismo do município de Mata de São João, mais de 60% da receita do município é proveniente do turismo.
– Nosso turismo se caracteriza por um destino de sol e praia, mas ao mesmo tempo é um destino de natureza, daí a importância dos projetos de preservação como o Tamar e o Baleia Jubarte. É um turismo de experiência, contemplativo que a gente tem aqui, e, sem dúvida, o futuro pós-pandemia é que as pessoas procurem lugares mais isolados, mais em contato com a natureza. Há muitas coisas novas despontando nesse cenário – afirma o secretário de Turismo de Mata de São João, Alexandre Rossi.
Se até baleias e tartarugas, de um oceano de possibilidades, escolhem passar uma temporada nas águas quentes do litoral baiano, só resta reiterar o convite feito por Dorival Caymmi: “Você já foi à Bahia, nega? Não? Então vá!”.