A Justiça Federal suspendeu nesta quinta-feira (22) a transferência do oceanógrafo José Martins da Silva Júnior, especialista em golfinhos que atua em Fernando de Noronha há mais de 30 anos, para a Floresta Nacional de Negreiros, outra unidade de conservação no sertão pernambucano.
A mudança havia sido assinada em 4 de agosto pelo presidente do instituto, o coronel Homero de Giorge Cerqueira, escolhido em maio pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, para chefiar o órgão ambiental federal. O prazo para que o oceanógrafo se apresentasse em Negreiros terminava em 2 de setembro.
Em uma decisão liminar (provisória), porém, a juíza Edna Márcia Ramos, da 13ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, entendeu que havia um risco de a medida — ou seja, a remoção do servidor — ser irreversível. Por isso, suspendeu a transferência até que o mérito da questão seja julgado. Para ela, ainda são necessárias mais provas para a decisão final. O oceanógrafo havia entrado com um pedido na Justiça para que pudesse permanecer em Noronha.
A defesa argumenta que o processo não seguiu regras internas do ICMBio: um formulário não foi preenchido, o servidor e seus chefes não foram ouvidos e ele só soube da remoção após a decisão estar tomada. Também alega que José Martins possui a condição de residente permanente da ilha, garantida a poucas pessoas, e que ganhou no último dia 30 de julho o direito de receber um lote para construir uma casa, que seria perdido com a sua remoção. Cita ainda que o destino fica a mais de 500 km do oceano e que Martins sempre trabalhou com conservação de mamíferos aquáticos e "sequer possui curso de fiscalização ou formação em gestão socioambiental", sendo que haveria 344 pessoas com essa certificação para trabalhar em Negreiros.
— Além de impedir uma perversa injustiça contra um servidor exemplar, a decisão também assegura a efetividade do seu importante trabalho de defesa do meio ambiente no arquipélago — disse em nota Mauro Menezes, advogado do oceanógrafo.
Já o ICMBio argumenta que o oceanógrafo tem formação e experiência nas áreas de ecologia comportamental, cetologia, educação ambiental, unidades de conservação, ecoturismo e organização em rede. O presidente do instituto, em um despacho, justificou a transferência dizendo que há uma discrepância no número de servidores lotados nas duas regiões: 34 funcionários na unidade de Noronha e três na floresta de Negreiros. Uma nota técnica do órgão também argumenta que, na administração pública, "existindo conflito entre interesse público e particular, deverá prevalecer o interesse do Estado".
Procurados, o ICMBio e o Ministério do Meio Ambiente não se manifestaram sobre a decisão judicial desta quinta até a publicação desta reportagem.
Martins afirma que a intenção de removê-lo está ligada ao interesse de um grupo de empresários da região que começou a comprar e ampliar pousadas de forma irregular a partir de 2017, quando um plano de manejo com regras para a hospedaria domiciliar foi publicado.
— Apesar de não trabalhar na fiscalização, eu trabalho no ordenamento territorial, então ajudava as chefias no cumprimento da legislação e apontava casos em que a legislação era descumprida — disse ele à Folha no início do mês, quando sua transferência foi divulgada.
— Acredito que a minha remoção deve estar relacionada a isso, em função de várias reuniões que esses empresários tiveram em Brasília e em Fernando de Noronha com o presidente do ICMBio e o ministro do Meio Ambiente — afirmou.
Martins havia se manifestado formalmente contra, em um documento de cerca de cinco páginas, mas a decisão foi mantida pelo presidente do ICMBio: "A remoção em questão visa melhor distribuição quantitativa dos servidores deste instituto [...]. Assim sendo, mantemos o posicionamento", ele escreveu.
A transferência do oceanógrafo vem na esteira de mudanças nos quadros das unidades de conservação federais. Em fevereiro, o próprio chefe do Parque Nacional Marinho de Noronha, Felipe Mendonça, foi exonerado uma semana após o então presidente do ICMBio, Adalberto Eberhard, ter se reunido com empresários da ilha e com o ministro Ricardo Salles. Mendonça era crítico ao aumento vertiginoso do número de turistas no arquipélago, enquanto o presidente Jair Bolsonaro já afirmou que pretende ampliar a visitação em unidades de conservação do país.
Em julho, o ministro também trocou a gestão do Parque Nacional da Lagoa do Peixe, no litoral sul do Rio Grande do Sul, nomeando a engenheira agrônoma e produtora rural Maira Santos de Souza, 25, filha de fazendeiros conhecidos na região.