O catarinense gosta muito de baleias. Basta notar a revolta causada pela proposta japonesa de retomar a caça contra o animal e a repercussão sempre que há fotos da gigante do mar no litoral do Estado. E a recíproca está se tornando verdadeira. Tanto que 320 baleias foram avistadas na costa catarinense nesta temporada, tornando 2018 o ano com o maior número de registros do mamífero em Santa Catarina desde 1973.
Mas o relacionamento entre humanos e animais nem sempre foi cordial. Durante cerca de 230 anos, o mar catarinense foi um campo de batalhas, com arpões de ferro disparados contra baleias-francas. O nome da espécie, inclusive, foi dado porque os animais eram considerados mansos e alvos fáceis para os pescadores, que capturavam o filhote para atrair a mãe e, em seguida, abater os dois.
O objetivo de capturar as maiores baleias era aproveitar a gordura do animal, que na época era transformada em óleo utilizado na iluminação pública. Após a expansão da energia elétrica, no século 20, o material passou a ser usado como amaciante de couro. A caça ao mamífero não tinha como objetivo utilizar a carne, justamente porque a camada de gordura não favorecia o consumo humano.
Para a extração do material, as baleias eram levadas até uma armação, construção que de tão representativa nomeou diversas praias do Estado. A primeira estação baleeira em Santa Catarina foi construída em 1740, no atual município de Governador Celso Ramos. Várias outras vieram em seguida: Florianópolis (1772), Balneário Piçarras (1778), Garopaba (1793), Imbituba (1796) e São Francisco do Sul (1807).
A população de baleias-francas diminuiu de forma exponencial durante o século 19, de forma que a espécie foi declarada sob proteção após tratados internacionais de 1937. Em Santa Catarina, a caça foi interrompida por alguns anos, mas as armações de Florianópolis e Garopaba retomaram as atividades de forma esporádica até os anos 1950. Apesar dos milhares de abates, os animais continuavam pelo litoral catarinense.
Demorou mais de duas décadas para que as baleias desaparecessem de vez do Estado. A caça foi proibida aqui em 1973 – com a lei federal publicada apenas em 1987 –, até porque não havia mais espécie do animal por perto. E mesmo se houvesse, o custo da caça estava se tornando alto demais para o baixo retorno econômico, já que a gordura do animal não tinha o mesmo valor de séculos atrás.
O tempo que as baleias passaram longe de Santa Catarina foi importante para que o relacionamento com os humanos pudesse ser repensado. E quando uma mãe e seu filhote foram avistados nove anos depois, na praia de Ubatuba, em São Francisco do Sul, iniciaram-se as atividades de monitoramento e proteção da espécie pelo Projeto Baleia-Franca.
Pouco a pouco, a população de baleias-francas começou a aumentar e escolheu as águas quentes do litoral catarinense para reprodução e amamentação dos filhos todos os anos, sempre entre julho e novembro. Se antes os humanos eram o perigo, agora os animais da espécie optam por ficar próximos à costa para se proteger dos predadores, que são orcas e tubarões.
E a "propaganda boca a boca" parece estar funcionando. Além de aumento considerável da população de baleias-francas que visita Santa Catarina, alguns animais das espécies bryde, jubarte e minke também são avistadas ao longo do litoral de Santa Catarina.
A relação mudou tanto que, atualmente, SC é o Estado que mais recebe baleias no Brasil, conforme o Instituto Australis. Seja pelo tamanho maior que dos dinossauros, pela possibilidade de ser vista a olho nu, pela aparência física ou por simplesmente ser um mamífero como os humanos, a gigante do mar continua aumentando o número de admiradores no Estado. E, da mesma forma, parece que as baleias também gostam dos catarinenses.
Turismo embarcado se tornou uma opção econômica melhor que a caça
A evolução tecnológica desde a proibição mundial da caça baleeira, em 1986, é um dos argumentos de quem defende a proteção do animal. A gordura do mamífero não tem mais utilidade, assim como as barbatanas, ossos e a calda – que também chegaram a ser comercializadas. O único interesse atual é a carne, que poderia ser vendida em restaurantes para consumo humano.
Karina Groch, diretora de pesquisa do Instituto Australis, argumenta que hoje as baleias têm mais valor econômico se estiverem vivas do que mortas. Além da importância para o ecossistema marinho, realizando ciclagem de nutrientes e absorção de carbono nos oceanos, os animais também podem render muito mais dinheiro com o turismo de observação do que com uma onerosa operação de caça que tem como único objetivo comercializar a carne.
– Hoje, caçamos as baleias com câmeras fotográficas. Se tiver as normas adequadas e os devidos cuidados, o turismo embarcado é uma alternativa sustentável, que protege as baleias e ainda pode gerar renda – afirma a pesquisadora do Instituto Australis.
Em Santa Catarina, o turismo embarcado começou a ser realizado de forma pioneira em 1998, quando cerca de 30 baleias foram avistadas. O negócio cresceu à medida que mais animais vinham para o litoral catarinense e se estabeleceu como atração turística nos municípios de Imbituba, Garopaba e Laguna.
Mas o serviço virou caso de Justiça e foi proibido em 2012, após uma ação civil pública movida pelo Instituto Sea Shepherd. O pleito questionava a falta de fiscalização adequada do turismo embarcado e a suspeita de molestamento das baleias por barcos licenciados para o serviço.
O processo chegou à segunda instância, em que foi decidido no fim de 2016 que o serviço poderia ser retomado em Santa Catarina desde que houvesse a publicação de uma portaria com detalhes da fiscalização. Por precaução técnica e jurídica, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) optou por incluir a nova normativa no plano de manejo, documento que direciona as ações da Área de Preservação Ambiental (APA).
Conforme Cecil Barros, chefe da APA da Baleia Franca, o documento está em fase final de aprovação e deve ser publicado até fevereiro de 2019 com a portaria de fiscalização. Dessa forma, há expectativa de que o turismo embarcado seja retomado ainda no próximo ano, incluindo monitores do instituto nos barcos para pesquisar e verificar a situação das baleias.
— A falta de fiscalização e a suspeita de molestamento foram os motivos para abrir o processo. Mas quando a gente demonstrou capacidade de fazer a fiscalização e proteger os animais, a Justiça entendeu que a atividade poderia voltar. Mas não é que aquilo não fosse feito antes. É que até explicar como a fiscalização era feita e conseguir aperfeiçoar o processo, há um trâmite judicial — argumenta Cecil Barros.
Dez mil pessoas pagaram por observação em 2012
No ano da proibição, quatro empresas realizavam o turismo embarcado em Santa Catarina. Conforme um dos empresários do serviço e presidente do Instituto Baleia Franca, Enrique Litman, 10 mil pessoas pagaram para observar as baleias em 2012. Ele ainda afirma que havia um código de conduta com instruções como ficar a mais de 100 metros do animal e evitar se aproximar da baleia por 30 minutos após a saída de outra embarcação.
— Se hoje as baleias sensibilizam as pessoas, é por causa do turismo de observação. Qual oportunidade teria a pessoa em conhecer melhor uma baleia? E ninguém protege o que não conhece. Então o serviço funcionou muito bem como mecanismo de educação ambiental e preservação — opina Enrique Litman.
Enquanto não ocorre a regularização do turismo embarcado em Santa Catarina, os moradores e turistas podem ver os animais a olho nu em algumas praias ou do alto de morros. As baleias-francas são costeiras e ficam a poucos metros da areia, logo após a zona de arrebentação de ondas. Mais um motivo para ficar de olho no mar.