Motorista de aplicativo, João Luiz Salvador, 59 anos, inicia a corrida, mas antes da esquina precisa novamente esticar o braço até o telefone preso no para-brisa. Rejeita a ligação de um número com DDD de São Paulo.
— Bloqueia um, eles ligam de outro — reclama, sobre os insistentes contatos que atrapalham sua rotina ao volante.
O condutor não é registrado no serviço que protege o consumidor de chamadas indesejadas de telemarketing. Em parte, porque diz não acreditar no sistema, mas também por desconhecer quão simples é realizar o cadastro, que pode ser feito no mesmo smartphone pelo qual opera suas corridas.
Por ano, segundo a Associação Brasileira de Telesserviços (ABT), são feitos 16 bilhões de contatos por telemarketing no Brasil. A prática é regulamentada, integra a estratégia de muitas empresas, e gera empregos: 400 mil pessoas trabalham com a atividade, nas companhias associadas à ABT.
Porém, nem todas agências de telemarketing respeitam o serviço de “não perturbe”, que tem lei própria no Rio Grande do Sul. Nos primeiros sete meses de 2021, o número de pessoas com pedido para bloqueio via site do Procon RS chegou a 15,9 mil, um aumento de 51% em comparação ao mesmo período do ano passado. Já a reincidência, em 2021, ficou um pouco abaixo da média de 2020: 22% dos consumidores receberam um segundo chamado de telemarketing indesejado.
No ano passado, três a cada dez gaúchos que solicitaram o bloqueio seguiram recebendo os telefonemas. Dos 20,6 mil consumidores que solicitaram o serviço, em 2020, cerca de 6 mil retornaram ao órgão de fiscalização informando a reincidência (29,1%).
Os dados foram obtidos por GZH junto ao Procon estadual. O órgão fiscaliza a lei, em vigor desde 2010, após regulamentação pela Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. O usuário que comunica a repetição tem seu caso elevado a uma denúncia, de acordo com Diego Ghiringhelli de Azevedo, coordenador da área de telemarketing e publicidade do Procon RS. Ele acredita que o total de clientes que tem esse direito desrespeitado seja ainda maior:
— Esse número certamente é maior, já que muita gente recebe as ligações e não faz a denúncia. Mesmo o sistema sendo bem simples, também tem quem não saiba operar a tecnologia.
Músico deixou de receber ligações após denúncia
O trompetista Renato Dall Ago, 34 anos, atendia pelo menos três ligações toda vez que ia a casa dos pais, endereço no qual tem registro como microempreendedor individual.
— Cheguei a receber oito ligações num só dia. Eu dizia que não ia querer, pedia para retirar o telefone do cadastro, o atendente afirmava que ia colocar uma observação, mas passava uns minutos e outro me ligava, como se não soubesse de nada — relembra.
O artista cadastrou no site do Procon RS o telefone celular e o fixo - até hoje, não compreende como a companhia teve acesso a esses dados, em minúcias. No prazo de 30 dias, solicitado para cessarem os contatos, não notou grande diferença na frequência. Após o período, se reduziram, mas ainda era incomodado, e buscou mais uma vez o órgão de proteção.
— Aí funcionou. O consumidor tem que procurar os seus direitos e denunciar o que é abusivo — defende.
Multa e processos na Justiça
Insistir na ligação gera uma multa de R$ 10 mil, após um processo judicial, de acordo com a legislação. Os valores são destinados ao caixa específico para ações em prol do consumidor, fundo gerido por um conselho que inclui Ministério Público, Defensoria Pública, entre outras instituições.
Devido à alta demanda, a instituição que protege o consumidor reúne as denúncias contra cada empresa em ações conjuntas no judiciário. Em torno de 800 processos foram ajuizados desde 2010, quando a lei passou a valer no Estado, com arrecadação de R$ 17 milhões.
O bloqueio não é técnico: funciona como uma lista de números proibidos, segundo o coordenador.
— As empresas têm todo direito a defesa. Muitas alegam que o serviço de telemarketing é terceirizado, mas também é responsabilidade dessas empresas repassarem às terceirizadas a lista — complementa Azevedo.
Pacotes de telefonia, internet e TV a cabo estão entre as mais citadas pelos usuários. Na sequência, vêm bancos e corretores de imóveis.
Não há, no projeto em vigor, possibilidade de bloqueio de publicidade abusiva através dos dispositivos de envio de mensagens de texto. Para incluir e-mails, WhatsApp, SMS, e qualquer forma de contato eletrônico, o Procon RS sugeriu um novo projeto, apresentado pelo deputado Elton Weber (PSB). O texto foi aprovado pelo parlamento na última terça-feira (3) e aguarda sanção do governador Eduardo Leite.
Cobranças e ligações para negociação de dívidas não podem ser bloqueadas pelo sistema vigente.
O que diz a representante do telemarketing
A Associação Brasileira de Telesserviços (ABT) informou à reportagem que, anualmente, são realizados 16 bilhões de contatos telefônicos no país, e classificou os casos citados como “não representativos da atuação e eficiência do contact center brasileiro, um dos melhores do mundo em regulamentação e produtividade”.
O setor emprega, somente pelas 19 empresas associadas à ABT, 400 mil pessoas, além de outros empregos indiretos, em 20 Estados da federação.
Na sequência da nota, a entidade reforça seguir o código de ética da categoria, uma atividade “extremamente regulada”, segue o comunicado. Entre as regulações, horários e dias são definidos para a oferta de produtos: entre segunda e sexta-feira, das 9h às 21h, e aos sábados das 10h às 16h, detalha o código de ética da associação.
Confira a íntegra da nota da ABT:
A Associação Brasileira de Telesserviços (ABT) esclarece que a atividade de contact center no Brasil é extremamente regulada e segue normas definidas há mais de 15 anos anos pelo Programa Brasileiro de Auto-Regulamentação do setor de Relacionamento (Probare) e pelo Código de Ética da atividade, que determinam como devem ser feitos os contatos com o consumidor.
A cada ano, são realizados 16 bilhões de contatos com serviços prestados e alguns casos isolados não podem ser tomados como representativos da atuação e eficiência do contact center brasileiro, um dos melhores do mundo em regulamentação e produtividade.
As empresas associadas seguem as normas do segmento definidas pelo Programa Brasileiro de Auto-Regulamentação do setor de Relacionamento (Probare) e pelo código de ética da atividade, que limita, por exemplo, os contatos entre segunda a sexta, das 9h às 21h, e aos sábados, das 10h às 16h. O Probare estabelece de forma expressa que nenhuma lista, base de dados, cadastro ou mailing das Centrais de Relacionamento poderá ser utilizado sem o consentimento dos titulares dos dados, antecipando a exigência de uma das disposições centrais da LGPD.
A ABT representa as maiores empresas especializadas em atendimento ao cliente, sendo 19 empresas e 400 mil colaboradores diretos atuando em 20 estados e mais de 50 municípios do país.