O desconto que você ganha em estabelecimentos ao inscrever o CPF no sistema – ou, mais recentemente, ao cadastrar sua biometria – tem um preço: a sua privacidade. O mesmo preço invisível é cobrado toda vez que você autoriza o acesso a sua localização ou a seus dados em redes sociais e aplicativos de entrega, por exemplo.
O procedimento se tornou praxe, por exemplo, nas grandes redes de farmácias do país e, se em um primeiro momento parece algo inofensivo, tem levantado críticas acerca de sua legalidade e dúvidas sobre o que essas empresas estão fazendo com esses dados.
Para a coordenadora da área de Privacidade e Vigilância do InternetLab, Nathalie Fragoso, já existiriam riscos quanto ao tratamento e armazenamento dos dados mesmo se informações como o CPF dos consumidores fossem utilizadas apenas internamente. Um problema ainda maior, ela explica, é se esses registros são repassados a outras empresas sem autorização do consumidor.
— O CPF é a chave para uma série de outras informações pessoais: nome completo, endereço, e-mail, telefone e perfil de consumo, entre outras coisas — diz Nathalie.
A Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma) informa que cada estabelecimento tem autonomia para definir seus próprios procedimentos, e não cabe à associação qualquer tipo de regulação. Mas a situação tem motivado alguns questionamentos judiciais. No Distrito Federal, o Ministério Público iniciou uma investigação sobre o fornecimento de descontos mediante a coleta do CPF, com a suspeita de que as farmácias estariam vendendo os dados dos clientes em mercado paralelo.
Em Minas Gerais, o MP também investigou o caso, decidindo multar uma rede de drogarias em quase R$ 8 milhões, para em seguida firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que previa que, caso a rede quisesse coletar o CPF e fornecer descontos por isso, deveria ter um programa de fidelidade no qual as pessoas optariam em aderir ou não, podendo escolher se gostariam de compartilhar seus dados. A solicitação de CPF em toda compra deveria acabar imediatamente.
A questão das informações pessoais é tratada na recente Lei Geral de Proteção de Dados, que foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em setembro do ano passado e atualiza as normas.
É preciso dar o CPF na hora da compra?
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, a abertura de cadastro de dados pessoais e de consumo só pode ser efetuada a pedido do cliente ou caso seja comunicado a ele por escrito. É nesse caso que se inserem os "programas de fidelidade". Não há nada de errado em fornecer descontos, mas o advogado Gabriel Sardenberg, mestre em Direito Processual, explica que a prática abusiva é caracterizada pela diferenciação, por meio do fornecimento de descontos, a um cliente e não a outro simplesmente porque um deles forneceu o CPF na hora da compra e o outro não, sem que qualquer um deles faça parte de programa de fidelidade.
— Isso não é desconto: isso é, em outras palavras, um "pagamento" pelo fornecimento dos seus dados pessoais, em clara afronta ao dever de informação previsto no Código de Defesa do Consumidor. Você faz uma "venda" sem saber que está "vendendo" nem para quem isso está sendo repassado — explica Sardenberg.
O advogado explica que consumidores preocupados com a violação de seus dados pessoais nesses casos podem tomar duas atitudes práticas.
— A primeira é se negar a fornecer o CPF na hora de comprar qualquer produto. Não é obrigatório, e o máximo que você vai ganhar é um olhar de estranhamento. Caso o objetivo seja auferir algum tipo de desconto, a outra saída é se cadastrar no programa de fidelidade do local e optar que seus dados não sejam, em nenhuma hipótese, fornecidos a terceiros. Você tem esse direito e pode exercê-lo — afirma Sardenberg.
Para ele, a realidade atual é que, apesar dos esforços do poder público em coibir a conduta de algumas empresas do ramo farmacêutico, "dados valem uma enormidade de dinheiro", principalmente quando eles estão atrelados a outro tipo de informação, como, por exemplo, a saúde.
Lei em SP proíbe CPF em troca de desconto
O governo estadual de São Paulo sancionou, em dezembro do ano passado, a lei 17.301, que proíbe farmácias e drogarias de exigir o CPF do consumidor no ato da compra, sem informar de forma adequada e clara sobre a abertura de cadastro ou registro de dados pessoais e de consumo, que condiciona à concessão de promoções.
A legislação determina ainda que sejam afixados, nas farmácias e drogarias, avisos sobre a proibição da exigência do CPF no ato da compra em troca de determinadas promoções, em bom tamanho e em local de fácil visualização. A multa para o estabelecimento que não cumprir a lei é de cerca de R$ 5,5 mil, podendo ser dobrada em caso de reincidência.