A falha no Facebook, que expôs usuários brasileiros a fotografias pornográficas no lugar de anúncios e notícias, soma-se a uma série de comportamentos predatórios da companhia de Mark Zuckerberg, cuja imagem empresarial vem sendo corroída pelo descontrole sobre o próprio ambiente de sua plataforma digital.
Por quase 24 horas, na quinta-feira, links compartilhados na rede social e no Instagram de perfis de veículos de comunicação, como GaúchaZH, Globo, UOL, Gazeta do Povo, Estadão, e empresas como Lojas Renner e Magazine Luiza, exibiram uma cena de sexo no lugar das fotos que ilustravam reportagens ou produtos. O Facebook atribuiu o problema a uma falha na tecnologia que permite o carregamento rápido de imagens (leia, abaixo, a nota). Pesquisadores e entidades que defendem regulamentação da atuação das plataformas, no entanto, salientam que este não é apenas um erro pontual. Para eles, é mais um indício da falta de controle da companhia, que, além de conteúdo sexual, permite a disseminação de notícias falsas e discursos de ódio que estão afastando de sua plataforma marcas responsáveis.
A inserção das imagens pornográficas é algo grave não apenas porque associa a imagem de uma empresa a conteúdo indesejado (inclusive em posts patrocinados), mas também porque pode ter exposto cenas de sexo a crianças e adolescentes. É como se, no meio da propaganda de um produto na televisão, entrasse uma imagem pornográfica em horário nobre. Isso não ocorre, no caso dos veículos tradicionais, porque há controle e responsabilidade por parte de emissoras e fiscalização de autoridades. No caso das redes sociais, não há regulamentação — embora a disseminação desse tipo de conteúdo seja contrário a suas políticas. Um dos problemas, para pesquisadores, é que o Facebook costuma se posicionar como produtor de conteúdo quando lhe convém, mas, quando questionado a ter responsabilidade sobre o que aparece na plataforma, costuma dizer que é apenas uma ferramenta de distribuição.
Diante do episódio das cenas de sexo, o Facebook demorou para admitir o problema e a pedir desculpa, repetindo um comportamento habitual quando questionado, por exemplo, sobre práticas de concorrência desleal. Não é de hoje que a empresa está sob pressão. Nos Estados Unidos, a rede social é acusada de regular seus algoritmos de acordo com seus interesses, dar respostas pensando não nos usuários, mas em ganhar mais dinheiro e de usar sua voracidade para aniquilar concorrentes e abocanhar o mercado.
Na quinta-feira, o Facebook respondeu com uma nota de duas frases, enviada a jornalistas que questionaram o incidente: "Estamos cientes de que algumas pessoas estão relatando terem visto conteúdos impróprios no Facebook, que violam nossas políticas. Estamos trabalhando para identificar e remover tais conteúdos, o quanto antes", dizia o texto. Pouco diante da gravidade e do tamanho da empresa.
— Essa postura arrogante, prepotente, soberba, de que são infalíveis, vai desmoronando. Quando acontece um problema dessa envergadura, a plataforma não responde de forma assertiva, com evasivas e sem compromisso de integridade dos dados, de reforço de segurança e até mesmo de pedir desculpas. O mínimo que você pode dizer às empresas, às marcas que investiram na plataforma, que gastaram tempo e que apostaram nela, é um pedido de desculpas sincero. Isso reflete o comportamento da cultura da empresa — critica Alexandre Gibotti, diretor-executivo da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), que também teve um post em seu perfil transfigurado para imagens de sexo.
Presidente da Associação Riograndense de Propaganda (ARP), Liana Bazanela, afirma que o poder das redes não pode estar isento de responsabilidades. A entidade é uma das 27 que formam a Coalizão Liberdade com Responsabilidade.
— Quando pressionado, como é o caso em relação às fake news, o Facebook reagiu. Ele consegue tirar do ar conteúdos não adequados. Por que não faz isso sempre: tem de ser intimado para fazer? — questiona.
Desde junho, a rede social enfrenta uma fuga sem precedentes de mega-anunciantes que decidiram retirar seus anúncios da plataforma até que ela se comprometa com políticas eficazes para barrar a disseminação de mensagens de conteúdo tóxico, como racismo e outros tipos de violência. Centenas de grandes marcas, como Unilever, Coca-Cola, Adidas e Verizon, aderiram à campanha "Stop Hate for Profit", liderada por organizações da sociedade civil nos EUA após a morte do negro George Floyd por um policial branco, em Minneapolis. No Brasil, o perfil Sleeping Giants tem pressionado empresas nacionais, por meio de publicações no Twitter, a também deixarem de anunciar no Facebook. Em entrevista a GaúchaZH, o administrador da conta, que mantém anonimato por razões de segurança, afirmou que o episódio envolvendo as imagens pornográficas é "somente uma das várias falhas presentes nas redes".
— O Facebook, assim como outras grandes plataformas, tem sido cobrado sobre a segurança digital e privacidade dos usuários na rede e mesmo após os protocolos a que se propõe a aplicar são identificados muitos desses bugs. Isso só reforça a fragilidade em que vive a internet — afirmou.
O advogado Rodrigo Zingales, especialista em direito da concorrência, acredita que empresas que tenham se sentido atingidas em suas marcas em razão do problema podem acionar o Facebook na Justiça uma vez que, em seu ponto de vista, a companhia tem responsabilidade sobre o controle do conteúdo que dissemina — seja feito por meio de humanos ou regulado por algoritmos.
— Eu entendo que a responsabilidade do Facebook é total, porque ele teve a opção de escolher os mecanismos de segurança. Se escolheu o robô ao invés do humano, é porque acha que é mais seguro. Da mesma forma que um funcionário, a empresa também é responsável pelo robô — pontua.
Muitos pesquisadores na área digital veem na postura do Facebook um comportamento semelhante ao de um país à parte, com regras de convívio próprias.
— Quando você está acessando o Facebook, está entrando em uma outra fronteira, a fronteira digital, o reino do Facebook. Ali, você tem de se comportar segundo as regras deles. E, quando acontece algum problema, eles agem como nações, com relações públicas, na relação com as pessoas, que recebem uma resposta padrão até que o Facebook construa uma narrativa para contar o que está acontecendo — afirma Alexandre Bessa, professor de Canais Digitais da pós-graduação da ESPM-SP.
Essa ideia explicaria a arrogância da empresa de Mark Zuckerberg diante de seus erros. Mas não justifica seu comportamento, conforme Gibotti, que defende o conceito de "environmental social and governance" (ESG), uma premissa de responsabilidade e sustentabilidade cada vez mais exigida nos negócios internacionais.
— Uma coisa que investidores têm dito é que "a gente quer ganhar dinheiro, mas quer ganhá-lo a qualquer custo". Esse tipo de movimento do Facebook, junto com os episódios denunciados pelo Sleeping Giants e a campanha Stop Hate for Profit, é um somatório de comportamentos inadequados de uma companhia perante a sociedade e perante um país — destaca.
Trecho do posicionamento do Facebook sobre o problema
""Um problema no Facebook e no Instagram fez com que algumas pessoas vissem imagens incorretas em posts públicos e anúncios, o que infelizmente incluiu conteúdos impróprios que violam nossas políticas. Nós solucionamos o problema e removemos as imagens. Como a ocorrência afeta imagens em cache nos dispositivos das pessoas, uma quantidade muito pequena de usuários ainda pode estar vendo essas imagens se elas estiverem armazenadas em seus celulares. Nossos times têm trabalhado para resolver esse problema de cache o quanto antes, e sentimos muito pelo ocorrido."