A Coalizão Liberdade com Responsabilidade, que reúne 27 entidades em busca de uma mobilização contra desinformação, notícias falsas e por regulamentação da atuação de plataformas digitais, acompanha com preocupação o episódio que expôs pornografia em anúncios e notícias no Facebook e no Instagram. Na quinta-feira (27), usuários relataram que as miniaturas das fotos nas redes sociais foram substituídas por uma cena de sexo explícito.
— Saiu do controle. É um bug? Ok, mas uma plataforma tão tecnológica, com tanto investimento como o Facebook, ser suscetível a um bug assim? Parece primário — afirma Liana Bazanela, presidente da Associação Riograndense de Propaganda (ARP), uma das entidades integrantes da coalizão.
Os perfis de GaúchaZH e Esportes GaúchaZH foram atingidos pelo problema. Também foram afetados Globo, O Globo, UOL, Gazeta do Povo, Lojas Renner e Magazine Luiza, entre outras empresas. Em nota divulgada nesta sexta-feira (28), o Facebook afirmou que o problema foi solucionado e as imagens impróprias, retiradas. Não especificou, entretanto, a origem da falha, que se soma a uma série de questionamentos sobre transparência e responsabilidade social das plataformas. Desde junho, o Facebook enfrenta uma fuga sem precedentes de mega-anunciantes que decidiram retirar seus anúncios da rede social até que ela se comprometa com políticas eficazes para barrar a disseminação de mensagens com conteúdo tóxico ou informações falsas. A seguir, os principais trechos da entrevista com a presidente da ARP, que exige explicações por parte da empresa sobre o mais recente episódio de descontrole sobre os conteúdos.
Facebook tem um histórico de problemas como descontrole em relação a notícias falsas. Que impacto esse novo episódio tem no debate sobre a falta de responsabilidade da empresa sobre os conteúdos que aparecem na plataforma?
O consumidor tem cada vez mais poder e voz — e as redes sociais acabaram proporcionando isso. Mas, ao mesmo tempo, as pessoas que criticam qualquer coisa nas redes sociais, talvez não percebam o próprio papel da plataforma: como devo me relacionar com essa ferramenta? Qual a responsabilidade dela. Uma pesquisa mostra que 79% das pessoas acreditam que, por meio de protestos e posicionamento em redes sociais, podem de alguma forma abalar as marcas. Mas vejo que isso não tem a mesma proporção quanto à percepção sobre as redes. E essas discussões provocadas por profissionais de comunicação, que percebem a importância da credibilidade das informações, vêm despertando a atenção das pessoas com relação à própria plataforma. Não existem leis para algumas coisas, simplesmente a gente joga uma informação em uma rede social, e ela pode ser impulsionada sem nenhum tipo de responsabilidade.
Qual o nível de responsabilidade das plataformas, como o Facebook?
Sobre o que ocorreu ontem (quinta-feira), o Facebook deu a mesma nota para todo mundo, dizendo que está ciente do que aconteceu. Isso é suficiente? Estar ciente é suficiente? É uma nota muito passiva para algo que é grave e está vinculado às marcas. Quem tem o poder são as marcas, e talvez elas não estejam percebendo que, atrás de um like, de uma audiência, há vínculos. Tudo comunica. O momento em que estou vinculando minha marca a algo que não é bacana, que não tem a ver com os valores da minha própria marca, não é isento: colocar um banner sem saber onde ele vai aparecer ou fazer uma propaganda completamente desvinculada ao canal. Por muito tempo, a gente cobrou e ainda cobra credibilidade dos veículos de comunicação. A gente entende que Facebook é uma ferramenta e que por isso tem direito de ser isenta, mas, na verdade, ele é também um canhão para que coisas positivas e/ou negativas aconteçam. Quando pressionado, como é o caso em relação às fake news, o Facebook reagiu. Ele consegue tirar do ar conteúdos não adequados. Por que não faz isso sempre? Tem de ser intimado para fazer? As pessoas têm o poder de fiscalizar isso. Isso que aconteceu (a troca das imagens por cenas pornográficas), não é responsabilidade das marcas que estavam anunciando ali. Até pode ser corresponsabilidade. Mas e o Facebook, vai ficar isento?
Facebook costuma se posicionar como produtor de conteúdo quando lhe convém, mas, quando questionado a ter responsabilidade sobre o que aparece na plataforma, costuma dizer que é apenas uma ferramenta. Como isso pode mudar?
Enquanto agentes de comunicação, não podemos ficar passivos a plataformas. Informação não pode ser disponibilizada sem responsabilidade. Há uma série de discussões, inclusive das próprias plataformas que usam conteúdo jornalístico de empresa séria e não pagam nada por isso. Eles (os dirigentes do Facebook) gostam de valorizar que são uma plataforma democrática. Mas, no momento em que impulsiono um conteúdo, uma informação de forma paga, estou induzindo as pessoas a aceitarem esse conteúdo. Então, é um veículo. Não é simplesmente uma plataforma democrática. O movimento internacional de boicote às marcas no Facebook foram nesse sentido: não posso, enquanto marca, colaborar para o ódio, a desigualdade, o racismo. Tu acabas sendo corresponsável no momento em que tua marca está investindo em uma plataforma que não tem o cuidado de vetar isso. Os veículos de comunicação não veiculam qualquer comercial, existe todo um cuidado. Por que em um canal com um alcance enorme, como o Facebook, não vai ter essa responsabilidade?
Este ano foi formada a Coalizão Liberdade com Responsabilidade, que reúne 27 entidades, como a Associação Nacional de Jornais (ANP), Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) e a própria ARP. Vocês pretendem tomar alguma atitude em relação a essa fato?
A gente precisa saber o que de fato aconteceu para ter uma medida mais formal. Mas existe um acompanhamento e um olhar com relação a como o Facebook vai se posicionar. Não são episódios esporádicos, é uma série de coisas que vêm acontecendo que demonstram que o poder das redes não pode estar isento de responsabilidades. Muitas vezes, os gestores não têm dimensão de como a percepção da marca vai impactar no consumidor quando vinculam o conteúdo a pessoas frívolas. Cerca de 79% dos consumidores esperam que as marcas se posicionem com relação a assuntos. Muitas vezes, as marcas, aqui no Brasil especialmente, têm receio de se posicionar. Ainda existe a cultura de que ficar em cima do muro é o melhor. Quando, na verdade, não é. Os consumidores esperam que tenham posição e que as marcas estejam adequadas a seus valores. É o momento em que, enquanto marca, precisam reagir, precisam se responsabilizar com o que estão fazendo com a informação nas redes.
Qual seria o caminho para solucionar o problema? Regulamentação das plataformas?
Regulamentação com certeza, não tem como haver coisas sem controle, sem o mínimo critério. Mas incentivaria cada vez mais as pessoas. O consumidor tem o poder no momento em que reivindica, posiciona-se a favor ou contra uma marca, ela se preocupa. As pessoas não percebem que são manipuladas de alguma forma (pelas plataformas), de que há algoritmos por trás.
Falta educação para tecnologia?
Por isso, as marcas são importantes. A gente não pode buscar audiência a qualquer custo. A minha marca está correlacionada com os meios em que atuo. Por isso, para construir marca, são tão importantes os veículos de comunicação de massa, os veículos sérios. Porque preciso estar associada a uma informação que condiz com o que estou praticando enquanto marca. Essa percepção falsa de que devo utilizar grande parte da verba publicitária para plataformas de maneira geral, sem o cuidado em relação a onde estou associando minha marca, é um perigo. Isso que aconteceu ontem (com o Facebook) saiu do controle. É um bug? Ok, mas uma plataforma tão tecnológica, com tanto investimento como o Facebook, ser suscetível a um bug assim? Parece primário. O que mais a gente está correndo risco em relação a movimentarmos nossas marcas via plataformas? Não é uma questão de não usar (as plataformas). Mas de usar com responsabilidade. Uma coisa não substitui a outra. A gente constrói marca com alcance, mas também escolhendo onde se está associando a nossa marca. É importante que as marcas percebam isso, porque elas serão cobradas pelos consumidores