Em 2016, fui enviado pela Rádio Gaúcha e pelo jornal Zero Hora aos Estados Unidos para cobrir a eleição presidencial. Assim que desembarquei na Flórida, fui fazer fila em comícios dos dois candidatos - Donald Trump e Hillary Clinton - naqueles dias que antecederam a votação. Conversei com dezenas de eleitores para entender o que motivava cada um a escolher entre Trump e Hillary. Num primeiro momento, fiquei perplexo pelos motivos alegados: "Vou votar em Trump porque a Hillary é corrupta", me disse um deles. "Que caso de corrupção?", perguntei. "Vários. Olha aqui", me apontou ele, abrindo o celular no Facebook. Outra eleitora, num comício de Hillary, me contou uma história parecida: "O Trump está com câncer, estado terminal, vai morrer", me contou dizendo que lera numa postagem do Facebook. É impossível dizer se foi determinante. Mas as redes sociais foram protagonistas na confusão informativa que envolveu o pleito americano daquele ano.
De lá pra cá, o Facebook não fez nenhum movimento mais expressivo para filtrar conteúdo falso propagado como verdade. Pelo contrário, deu ainda mais espaço para falácias ao mudar o algoritmo que deu prioridade para assuntos de amigos em detrimento daquele produzido pela imprensa independente. A verdade é que o Facebook nunca se preocupou com o volume colossal de ameaças, dados falaciosos e mentiras em postagens.
O caldo entornou para a empresa de Mark Zuckerberg na semana que passou. Começou com Pepsi e Coca-Cola, depois Starbucks e Unilever e a conta chega a mais de 180 multinacionais. Essas empresas decidiram não se associar mais à uma rede que não controla o tráfego pesado de conteúdo mentiroso e privilegia postagens populistas irresponsáveis. Essas empresas retiraram toda sua verba de publicidade. É um rombo. Mas o golpe ainda maior é o que a saída dessas empresas representa no mercado, já que o Facebook tem ações na Bolsa de Valores. Por que agora? Porque recentemente o Facebook não fez nada para impedir que Donald Trump usasse a rede para ameaçar com uso de violência os protestos pela morte de George Floyd. Enquanto o Twitter, por exemplo, bloqueou postagens do presidente, o Facebook deixou rolar solto. A declaração mais controversa é aquela em que Trump afirmou que "assim que os saques começarem, tem tiroteio como resposta". Some-se os encontros a portas fechadas entre Trump e Mark Zuckerberg. Essa aproximação é vista como amizade de conveniência: o governo americano relaxa no controle e regulação das redes. Em troca, o Facebook deixa rolar solto para que qualquer um fale o que bem entender, inclusive as postagens de conteúdo duvidoso de Trump. Bem, cada um tem a liberdade de escolher com quem se relacionar. Inclusive, as grandes marcas que agora abandonaram o Facebook.