Recentemente, conversei com um cientista que trabalhava em um resumo sobre o que sabemos da evolução humana. Já tendo escrito um artigo semelhante há cinco anos, essa não deveria ser uma tarefa tão árdua, mas, quando retomou o trabalho antigo, percebeu que pouco do que produzira permanecia relevante. "Não consigo aproveitar quase nada", lamentou.
Como jornalista, entendo sua aflição. Nos últimos anos, cientistas têm produzido pilhas de teorias de como a humanidade começou e, com certa frequência, a nova evidência não corrobora o que pensávamos ser verdade. Pelo contrário, muitos desses achados exigem que pesquisadores formulem novos questionamentos sobre o passado da humanidade e imaginem uma pré-história ainda mais complexa.
Quando a Science Times surgiu, há 40 anos, o conhecimento dos cientistas sobre como nossos antepassados evoluíram a partir de outros símios para uma nova espécie, conhecida como hominídeo, era muito menor. Naquela época, o fóssil de hominídeo mais antigo de que se tinha notícia era o de uma fêmea de estatura baixa e volume cerebral pequeno descoberto na Etiópia e batizado de Lucy. Essa espécie, agora denominada Australopithecus afarensis, existiu entre 3,85 e 2,95 milhões de anos atrás. Lucy e seus pares tinham características similares às dos símios, como braços longos e mãos envergadas, eram capazes de andar no chão, porém de forma ineficaz, e não podiam correr.
Aparentemente, o caminho percorrido desde os hominídeos até a evolução dos humanos modernos foi uma trajetória direta a partir de Lucy. Os primeiros membros conhecidos do nosso gênero, Homo, eram mais altos e apresentavam longas pernas para caminhar e correr, além de possuírem cérebros muito maiores. Eventualmente, os primeiros Homo deram lugar à nossa espécie, Homo sapiens.
Hoje em dia é sabido que a espécie de Lucy não foi o ponto de partida para a nossa evolução, mas apenas um ramo que se desenvolveu no meio do caminho do desenvolvimento da nossa árvore genealógica. Pesquisadores encontraram fósseis de hominídeos de mais de 6 milhões de anos, e cada vestígio – um osso de perna aqui, um crânio esmagado ali – abre caminho para mais antepassados símios. Mesmo os hominídeos mais antigos eram semelhantes a nós em um traço importante: ao que tudo indica, eram capazes de andar no chão, pelo menos por curtas distâncias.
Paleoantropólogos descobriram novos fósseis preciosos que cobrem todo o espectro da evolução dos hominídeos. Ficou claro que uns pertenciam a espécies já conhecidas, como a Australopithecus afarensis, mas outros eram tão diferentes que receberam nova designação. Houve ainda casos de fósseis classificados entre um e outro. Não raro, pareciam mosaicos de outras espécies com uma combinação notável de traços resultante do cruzamento entre elas. Por outro lado, os hominídeos podem ter desenvolvido muitas características de forma autônoma e constante ao longo de linhas de evolução independentes.
Toda essa mistura e essa experimentação produziram 30 tipos diferentes de hominídeos – de que temos conhecimento. Além disso, um tipo não sucedeu ao outro ordenadamente na história: por milhões de anos, diversos tipos de hominídeos coexistiram. De fato, nossa espécie dividiu este planeta com seus "quase parentes" até há pouco tempo. Em 2017, pesquisadores encontraram, em Marrocos, os fósseis mais antigos da nossa espécie de que já se teve conhecimento: ossos de cerca de 300 mil anos. Nessa época, os Neandertais já existiam; eles viveram pela Europa e Ásia até 40 mil anos atrás. Também nessa época, o Homo erectus, um dos membros mais antigos do nosso gênero, resistia no que é hoje a Indonésia; a espécie não foi extinta até pelo menos 143 mil anos atrás.
O Homo erectus e o Neandertal são velhos conhecidos de paleoantropólogos. Fósseis dos primeiros foram localizados nos anos 1890; já os Neandertais tinham sido descobertos em 1851. Contudo, uma pesquisa recente mostrou que mesmo outros hominídeos compartilharam este planeta com nossa própria espécie.
Em 2015, pesquisadores desenterraram fósseis de 250 mil anos em uma caverna na África do Sul. Batizada de Homo naledi, o cérebro dessa nova espécie era do mesmo tamanho do de Lucy, mas apresentava uma estrutura complexa que se assemelhava à nossa. O pulso e os outros ossos da mão do Homo naledi eram parecidos com os de um humano, enquanto os dedos longos e encurvados pareciam mais com os de símios.
Enquanto os Homo naledi prosperaram na África, uma espécie misteriosa podia ser encontrada em uma ilha hoje chamada Flores, na Indonésia. Denominada Homo floresiensis, essa espécie de hominídeo media apenas 90 centímetros e seu cérebro era ainda menor do que o do Homo naledi. Acredita-se que tenha chegado a Flores há 700 mil anos e resistido pelo menos até 60 mil anos. Além disso, é possível que tenha produzido ferramentas de pedra para caçar e abater elefantes-pigmeus que habitavam a ilha.
Paleoantropólogos não se limitam mais a apenas examinar o tamanho e a forma dos fósseis. Nos últimos 20 anos, geneticistas aprenderam a extrair DNA de ossos de dezenas de milhares de anos. Em uma extraordinária descoberta feita na Sibéria, pesquisadores que analisavam o osso de um mero dedo mindinho descobriram o genoma de uma nova linha de hominídeos, agora conhecidos como Denisovans.
Ao que tudo leva a crer, habitamos o planeta de forma exclusiva há apenas 40 mil anos – uma pequena fração, considerando a longeva existência do Homo sapiens. Talvez tenhamos superado outras espécies. Talvez elas tenham tido azar na loteria da evolução. De qualquer maneira, ainda vivemos juntos. Tanto os Neandertais quanto os Denisovans cruzaram com nossos antepassados há 60 mil anos e, hoje, bilhões de pessoas carregam seu DNA. Mesmo depois de todo esse tempo, seguimos como mosaicos.
Por Carl Zimmer