"Vá em paz, tia", diz trecho de uma manifestação de luto publicada nas redes sociais de Deise Moura dos Anjos, 42 anos, principal suspeita de matar quatro membros da mesma família envenenados. A publicação se refere a Maida Berenice Flores da Silva, uma das pessoas que faleceu após ingerir um bolo de reis no último mês, em Torres, no Litoral Norte. Assim como Maida, outra vítima também foi homenageada pela suposta assassina em sua página no Instagram.
A reportagem de Zero Hora obteve acesso exclusivo à rede social da suspeita, onde foram encontradas manifestações de pesar pelas mortes e pela enchente que atingiu a família meses antes dos óbitos. A mulher foi presa pela Polícia Civil em 5 de janeiro, sob a suspeita de ter envenenado alimentos ingeridos pelas vítimas com arsênico, um composto chamado de "rei dos venenos".
Uma das postagens, publicada em 25 de dezembro, é composta por uma foto de Maida e os dizeres "vá em paz, tia" e "luto". No texto, Deise escreveu ainda: "Que o paraíso seja tão maravilhoso e lindo como seu coração". O post foi feito no mesmo dia em que Maida era velada ao lado da sobrinha, Tatiana Denize Silva dos Santos, no Cemitério São Vicente, em Canoas, na Região Metropolitana.
Além das duas, Neuza Denize Silva dos Anjos, mãe de Tatiana e irmã de Maida, morreu após comer o bolo de reis. A iguaria era tida pela família como uma tradicional degustação natalina. Outras três pessoas foram hospitalizadas após consumirem a sobremesa, mas receberam alta e passam bem.
Análises laboratoriais do Instituo Geral de Perícias identificaram presença de arsênio no sangue de pessoas que ingeriram o bolo. Também foram periciadas amostras do bolo e da farinha utilizada no preparo. Em ambos, foram identificadas quantidades altamente elevadas de arsênio.
Homenagem ao sogro
Meses antes da demonstração de pesar feita à Maida, em 5 de setembro, ela também havia manifestado publicamente a tristeza pela perda do sogro, Paulo dos Anjos. No Instagram, ela descreveu a morte dele como uma "perda tão estúpida e inesperada" e acrescentou: "Temos certeza de que ele foi em paz e feliz por tantas amizades feitas e dias felizes trilhados." O registro segue salvo ainda hoje em um destaque da rede social.
A investigação da Polícia Civil constatou que Deise levou bananas e leite em pó para a casa dos sogros em setembro. Os familiares passaram mal após ingerirem os alimentos e precisaram de atendimento hospitalar. O sogro morreu dois dias depois por suspeita de intoxicação alimentar.
A polícia solicitou a exumação do corpo para constatar se ele teria sido envenenado, assim como os parentes que comeram bolo. Exames do Instituto-Geral de Perícias (IGP) constataram que o sogro também tinha presença de arsênio no corpo.
Família feliz
O relacionamento conflituoso com a família do esposo, Diego Silva dos Anjos, também foi camuflado pela suspeita nas redes sociais. Em um destaque destinado aos acontecimentos acerca da enchente que atingiu a cidade de Canoas, em maio do ano passado, Deise acrescentou fotos e vídeos que davam a entender que ela e o marido ajudaram a limpar a casa das vítimas que residiam na localidade.
Ainda na rede social da suspeita, é exibida uma foto de um exemplar do bolo de reis, até então considerada uma tradição familiar. A publicação foi feita em 2023, possivelmente após uma comemoração.
Quem é Deise Moura dos Anjos
Gestora financeira formada pela Universidade La Salle, Deise está desempregada. Seu último ofício foi como secretária-executiva de um escritório de advocacia, ocupação deixada em 2023, mesmo ano em que concluiu a graduação.
Aos 42 anos, já trabalhou como auxiliar de contabilidade e auxiliar administrativa em Canoas e em Nova Santa Rita, seu domicílio atual. Por conta do serviço de Diego, o casal morou também em Indaiatuba, no interior de São Paulo, e em Catalão (GO), onde viveu entre 2013 e 2017 com a mudança custeada pelos pais de Diego. Ela foi classificada como dissimulada e manipuladora pelos parentes do marido.
Relembre o caso
Um bolo de reis, iguaria natalina, causou a hospitalização de seis pessoas da mesma família e levou à morte três delas, em Torres, no Litoral Norte. Todas as vítimas consumiram o doce no dia 23 de dezembro, em uma confraternização de Natal.
Investigação da Polícia Civil apontou que a farinha utilizada no preparo do alimento estava envenenada com arsênio e que a suspeita de ser responsável pela contaminação do item é Deise Moura dos Anjos, nora da idosa que fez o bolo, Zeli Teresinha Silva dos Anjos. A mulher está presa temporariamente desde o dia 5 de janeiro.
Uma quarta pessoa da família, morta em setembro, supostamente por intoxicação alimentar, também foi envenenada, conforme o Instituto-Geral de Perícias (IGP) após exumação do corpo. Trata-se do sogro da suspeita presa, que teria levado bananas e leite em pó para a casa de Paulo Luiz dos Anjos antes de morrer.
Deise não participou da reunião familiar no Litoral Norte em dezembro. Na ocasião, ela, o marido, e o filho estavam na casa onde moram, em Nova Santa Rita. Segundo a polícia, o marido não é investigado porque não há nenhum indício de que ele poderia tentar algo contra a mãe. Ele irá prestar novo depoimento, ainda como testemunha. A polícia investiga se há outras vítimas, e mais um corpo pode ser exumado.
A motivação de Deise, conforme a polícia, seria uma desavença com a sogra. O conflito teria aumentado depois que, em agosto de 2004, a sogra sacou dinheiro de uma conta do filho, "sem autorização", segundo descreveu Deise para a polícia. O valor foi devolvido, "mas a relação nunca mais foi a mesma".