Cativante, manipulador e agressivo são alguns dos adjetivos usados por antigos moradores da Comunidade Osho Rachana, em Viamão, para descrever o intitulado líder espiritual Adir Aliatti, 69 anos. Prem Milan, espécie de rebatismo de Aliatti em sânscrito, antiga língua originária da Índia e do Nepal, é investigado pela Polícia Civil por suspeitas de tortura psicológica, curandeirismo, estelionato e crimes financeiros.
Em uma área rural da Região Metropolitana, homens e mulheres seriam atraídos com um discurso de desprendimento, libertação diante do status quo, ruptura com a vida pretérita, curas e evolução espiritual por meio de terapias bioenergéticas e autoconhecimento. Cerca de cem pessoas chegaram a viver no local, mas recentemente o número havia caído para aproximadamente 20. Quem comanda a comunidade, também descrita como uma seita de conotação sexual, é Aliatti, o Prem Milan. As principais evidências de delitos, contudo, apontam para tortura psicológica e suposto achaque financeiro e patrimonial.
Ele é muito cativante. Atua na manipulação das pessoas através das terapias que eram realizadas lá dentro. Principalmente, buscando informações das pessoas para, depois, usar contra elas. É extremamente autoritário, arrogante e agressivo. Qualquer um que discordasse dele tomava, no mínimo, um sermão público.
MORADOR QUE VIVEU NA COMUNIDADE OSHO RACHANA
Em fala sob condição de anonimato
Conforme o relato, as altercações ultrapassariam, em alguns momentos, as reprimendas públicas.
— A humilhação das pessoas… É muito forte na personalidade dele rebaixar, execrar. Usar algo da tua vida que te torna vulnerável para fazer chantagem emocional. De certa forma, ele usava isso para manter a obediência. Presenciei violência física, sempre justificada por motivos terapêuticos. Vi situação de dominar uma pessoa, eventualmente desferir um tapa. Provocações para que a pessoa revidasse. Às vezes, a situação saía do controle e a turma do deixa disso intervinha — relata o ex-morador da comunidade.
Os comentários são de que Aliatti falava bastante do seu passado nos momentos de convivência. Contava ser natural de Garibaldi, na Serra, e se orgulhava de, por volta da década de 1970, ter montado um “exército” de pessoas que venderam “milhões” de posters, ou cartazes, de todo o tipo para ele.
A lógica econômica era presente na comunidade. Os relatos apontam que haveria dois modelos de permanência no local. Os que têm emprego formal poderiam sair diariamente para trabalhar. Para viver no local, tendo moradia, alimentação e espaços de lazer, pagariam aluguel que, segundo informações, seria de pelo menos R$ 5 mil por mês atualmente. Os que não tinham uma atividade tradicional seriam envolvidos nos negócios da Comunidade Osho Rachana.
À semelhança da antiga venda de posters, teriam de comercializar nas ruas de Porto Alegre, do Litoral e de cidades de outros Estados itens como agendas, cadernos e até pães de porta em porta.
— Tínhamos cotas de vendas mensais para fazer parte daquele projeto. Existia um mapeamento de lugares bons para vender e se distribuía o pessoal — conta o antigo residente.
O dinheiro, depois de custeadas despesas, iriam para Prem Milan, apesar do discurso de reversão à comunidade. Também haveria as imersões, espécie de cursos intensivos de bioenergia, alguns deles focados em atos sexuais, segundo relatos. Para essas “maratonas”, os custos ficariam entre R$ 8 mil e R$ 12 mil. Existiriam pressões para a adesão aos intensivos.
Uma outra forma do líder Aliatti arrecadar recursos seria por meio da contração de empréstimos pelos seus seguidores.
— Houve coação pelos empréstimos. Geralmente, eram feitos em nome dos moradores. Em teoria, era para o benefício da comunidade, mas quem usufruía era ele — diz o ex-habitante.
O relato é de que Aliatti usaria os recursos para comprar terras nos arredores da propriedade de 42 hectares em que vivia a comunidade. Também teria adquirido máquinas agrícolas, já que uma das práticas da seita era o cultivo de hortifruigranjeiros.
— Ele também usava para fazer viagens de luxo, como está sendo dito. Isso não era escondido. As apostas em bets foram uma surpresa. Quando eu soube disso, desvendou todo o resto — diz.
Exploração da fé
A delegada Jeiselaure de Souza, que está à frente da investigação, afirma que Aliatti teve perdas significativas em apostas online. Somente em 2024, teriam sido cerca de R$ 300 mil.
A delegada ouviu, até agora, 20 vítimas no inquérito e afirma que, além dos valores dos empréstimos, Aliatti teria se apossado de bens e negócios dos fiéis, como uma padaria.
Ele induzia as pessoas ao erro de que tudo era revertido para a comunidade. ‘Se tu não me deres esse dinheiro, é por isso que tua vida não dá certo.’ Vítimas tiveram crises de choro (ao depor) pelo abuso da fé.
JEISELAURE DE SOUZA
Delegada que está à frente das investigações
Na quarta-feira (11), dia do cumprimento de mandados de busca e apreensão, a delegada informou que Aliatti não estava na comunidade. Ela diz que ele mantém uma rede de empresas e que foram apreendidos diversos documentos e aparelhos de celular.
A questão da sexualidade é o que ainda está menos esclarecido. Aliatti e sua comunidade eram seguidoras de um controverso guru do sexo indiano conhecido como Osho, entre outras designações. Uma das pregações é de que o sexo seria o caminho da libertação da vida e da felicidade.
O antigo morador diz que a prática irrestrita e explícita de sexo poderia ocorrer nas imersões, mas que cotidianamente era normal, para um integrante da comunidade, ficar quieto no seu canto sem ser molestado e ter de ceder a apelos lascivos.
— O que as vítimas falam é que havia prática sexual, mas não era obrigado. Ao mesmo tempo, havia o discurso de que, se não praticasse, a vida não iria melhorar. Casos de violência sexual não foram relatados. A principal questão é a financeira — diz a delegada.
Um dos pontos a serem apurados é se crianças que viviam no local com os adultos tiveram contato visual com atos sexuais. Isso está em verificação.
Identificação de fragilidades e sedução
Para os membros da comunidade, o uso de celular, internet e o contato com o mundo externo é permitido. Muitos saíam para trabalhar e voltavam em seus veículos. Álcool era consumido socialmente. Drogas ilícitas eram proibidas. Apesar da teoria de libertação, diz o ex-morador, homessexuais sofriam “forte discriminação”. A avaliação é de que as pessoas chegavam lá em momento de fragilidade emocional. Em alguns casos, com traumas familiares, o que encontra relação com o discurso de ruptura com a vida passada.
— Já passei do momento da vergonha, da raiva, da inconformidade. É meio inexplicável. O que me levou a ficar tanto tempo? Fiz amizades, mas foi a cegueira mesmo. Era muito sedutor. Uma ideologia completamente diferente do sistema. Ele tem um jeito de pegar as pessoas em um ponto de desprendimento. No fundo, ele privilegiou ele e sua família de forma extremamente capitalista e luxuosa. O oposto de tudo o que pregava — diz o antigo comunitário.
A Polícia Civil estima que Prem Milan tenha obtido e desviado mais de R$ 20 milhões dos fiéis. Ainda assim, teria alcançado um prejuízo de R$ 4 milhões nas operações que realizou.
Os relatos são de que Aliatti viveria no local com uma companheira e dois filhos adultos. A reportagem contatou a filha de Aliatti abrindo espaço para manifestação, mas não houve retorno.